BANZO

Como pensar o suicídio e a saúde mental da população negra, desde que estamos no Mês Setembro Amarelo, na campanha de combate e prevenção do suicídio que percebe a necessidade de rompermos o
silêncio que paira sobre esse tema?

Texto por Cristiane Feijó Corrêa – Psicóloga Social. Promotora Legal Popular em formação / Balcão da Cidadania / Pulsão Democrática / Membro do Grupo de Leituras Intelectuais da Negritude / Pesquisadora em Relações Étnico Raciais

Em fevereiro de 2021, participei de uma experiência cênica online chamada “Clínica Pública de Análise Política” [C.P.A.P], parte integrante da pesquisa Exercícios de Transgressão: A candidatura presidencial como prática de liberdade, que consistia em 6 sessões de análise política com a presença e atuação do ator paulista Caio Cesar Andrade Costa.

Nesta clínica performativa, o público seria composto por uma pessoa numa interação/interlocução com o ator podendo escolher entre os papéis de analista ou analisado.

Escolhi ser analista, para a surpresa do performer, um homem branco, jovem, de pele clara e cabelo crespos como os de um negro mestiço.

De minha parte, a mulher negra que sou também foi surpreendida com um “paciente que vestia roupas femininas e usava maquiagem, numa caracterização de personagem que critica a cisgeneridade.

Dos muitos temas trazidos para as sessões, persistia a impossibilidade de agência política no cenário atual brasileiro somado a um sentimento de impotência e da constante percepção de que não fazemos o suficiente para contornar as crises sociais que nos assolam, enquanto coletividade, ou seja, enquanto cidadãos de um país chamado Brasil.

Ironicamente, ao contrário dessas conclusões sobre a imobilidade e inércia do cidadão brasileiro, o “(im)paciente” tinha muitas atividades políticas para além das artes cênicas: pai de adolescente, cuidador, ativista nas questões indígenas,
produtor cultural, entregador ciclista, estudante, leitor, criador.

A conta sempre aberta que não fecha, essa equação do “muito fazer vezes o pouco perceber fazer” tem como produto um excesso que massacra e foi por esse caminho que chegamos ou retornamos ao termo Banzo.

Definimos Banzo como um estado de desterro, desapropriação, isolamento, saudade de uma terra que ficou longe de ser habitada, que desconhecemos.

Sentimos o Banzo como uma dormência, um formigamento de uma parte de si mesmo que está ali, mas permanece inerte, sem resposta.

O mesmo Banzo que fez com que escravos tirassem a própria vida comendo terra como forma de fugir ao holocausto da escravidão, e que seguissem desistindo de viver na precariedade do pós-abolição.

Banzo/apatia, Banzo/apartheid, Banzo/desconexão com a própria terra e que faz engolir toda a violência da terra/Estado no qual se vê sendo suicidado a cada dia.

São mulheres negras, jovens negros, crianças negras as maiores vítimas do suicídio perpetrado por uma sociedade estruturalmente racista. Também são vítimas do assassinato e da violência, da exclusão, da marginalização.

O Estado Necropolítico atinge também as pessoas não negras, que foram jogadas para fora da corrida neoliberal e meritocrática, ampliando um contingente de excluídos diante de uma pequena parcela de privilegiados.

Nesta perspectiva social, como pensar o suicídio e a saúde mental da população negra, desde que estamos no Mês Setembro Amarelo, na campanha de combate e prevenção do suicídio que percebe a necessidade de rompermos o
silêncio que paira sobre esse tema?

A Psicologia comprometida com a racialização das questões de saúde mental precisa observar que existe uma interseccionalidade nos fatores que abrangem a questão e que se torna imprescindível considerar as estruturas e perversidades do racismo que mantém um sistema de exploração, preconceito e exclusão de corpos políticos inaptos à travar a batalha meritocrática.

O teatro performativo da Clínica Pública de Análise Política informou algo muito importante para pensarmos a clínica e a prática em psicologia em suas diversas abordagens: a origem social do sofrimento quando se possui um corpo
determinado pela sociedade, como é o caso dos negros, indígenas, trans, deficientes, velhos, crianças e adolescentes…

É tempo de perguntarmos, como o faz Denise Ferreira da Costa em seu livro A Dívida Impagável: Por que a morte de jovens negros não causa uma crise ético-moral global?