Autora: Jaqueline Batista, Graduanda em Psicologia, Coord. Grupo Intelectuais da
Negritude, Formanda em Psicologia Humanista
“Exu matou um pássaro ontem,
com uma pedra que só jogou hoje”
ditado Ioruba
No mês em que comemoramos o dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, me pergunto o que eu, uma mulher Negra, periférica, estudante de psicologia, poderia trazer ? O que deixar a quem ler este texto?
- Alimente-se!
Na psicanálise, aprendemos que somos sujeitos da relação, estamos constantemente tentando resolver algo que se constituiu na relação com um outro. E quem seria este outro?
Em Lacan temos um Grande Outro, aquele com quem o sujeito se relaciona e tenta a todo tempo, inconscientemente, agradar. Através desta perspectiva, faz sentido pensar que, para que o homem habite a sua morada, deva antes, entender o que em seu corpo não lhe pertence, para a partir daí fazer suas próprias escolhas.
- Somos livres?
É simples demais achar que sou livre para escolher o que eu quiser ser, já que Winnicott em sua imensa obra nos conta que o homem nasce numa dependência absoluta.
E se somos seres dependentes quem nos liberta para a independência?
O outro, voltamos a Lacan? Não, hoje vamos por um outro caminho.
Neuza Santos Souza, em seu livro Torna-se Negro, nos traz um pouco de como o Negro agride seu corpo, sua imagem, instigado por um Grande Outro, o qual tem total domínio da historicidade constitutiva da Negritude. A leitura da obra transforma, entramos em contato com a experiência traumática vivida pela autora, o negro visto como coisa, de ser feito objeto. Neusa expõe pensamentos profundos e incômodos sobre o dispêndio afetivo do assujeitamento, da negação cultural e da negação do próprio corpo negro. E o quanto é sofrido quando o sujeito busca ascensão social, e esse empenho para chegar onde se quer, fica às custas de negar sua identidade, quem se é. E neste caso o Grande Outro passa a ser o branco como ideal a ser alcançado.
Neusa (1983,p 17) escreve em seu livro:
“Saber-se negra é viver a experiência de
ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas expectativas,
submetida a exigências, compelida a
expectativas alienadas”
Torna-se negro é tarefa difícil ainda hoje? Segundo Fanon (2008, p.26):
“Existe uma zona do não ser, uma
região extraordinariamente estéril e árida, uma
encosta perfeitamente nua, de onde pode brotar
uma aparição autêntica. Na maior parte dos
casos, o negro não goza da regalia de
empreender essa descida ao verdadeiro inferno”
A busca por tornar-se negro, implica renunciar a toda uma história que nos foi contata e que acreditamos ser real, fazer uma escolha por viver quem se é, e antes de tudo livrar-se do que não nos pertence. Um longo caminho doloroso a ser percorrido, alguns talvez não queiram e escolham ficar onde estão, outros nem tenham a consciência de que este caminho exista e outros farão a viagem, Sankofa, segundo Abdias do Nascimento(2020), o conceito que traduz-se por “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”.
Alimente-se, para fazermos uma escolha, precisamos de saberes, e não únicos, pois corremos o risco de sermos induzidos e traídos pelo véu de quem nos conta. Assim como Chimamanda Ngozi trás em seu livro, O perigo de uma História Única, onde a autora fala com delicadeza de estórias da sua infância que nos ensinam muito.
Implique-se, no seu livro Pequeno Manual Antirracista, Djamila Ribeiro, apresenta uma série de “dicas” que podem ser seguidas por todos nós: informe-se sobre o racismo, enxergue a negritude, reconheça os privilégios da branquitude, perceba o racismo internalizado em você, apoie políticas educacionais afirmativas, transforme seu ambiente de trabalho, leia autores negros, questione a cultura que você consome, conheça seus desejos e afetos, combata a violência racial e sejamos todos antirracistas.
Este é apenas o sumário apresentado no livro, mas que por si só, já nos diz que é preciso uma trajetória. O que se assemelha a outros intelectuais negros, que também nos falam em suas obras desse “caminho de volta” para a autenticidade.
Neste 20 de Novembro, em comemoração ao dia da Consciência Negra, estejamos todos implicados numa luta pela igualdade, uma batalha que não deve ser travada sozinho, já que é na relação com o outro que nos constituímos, cabe a nós prezarmos por uma relação sem dominância e livre de (pre)conceitos.
Referências:
Adichie, C. N. (2019). O perigo de uma história única. Brasil: Companhia das Letras.
Fanon, F. (2020). Pele negra, máscaras brancas. Brasil: Ubu Editora.
Nascimento, A. (2020). Ocupação Abdias Nascimento – Ocupação. Itaú Cultural.
Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro, ou, As vicissitudes da identidade do negro brasileiro
em ascensão social. Brasil: Graal.
Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. Brasil: Companhia das Letras.