Artigo escrito por: Waleska Pedruzzi
INTRODUÇÃO
O surgimento da modalidade de trabalho em acompanhamento terapêutico (AT) tem relação com alguns movimentos que ocorreram no campo da saúde mental, como a reforma psiquiátrica, que tem início no ano de 1980, até a promulgação da lei, que ocorre em abril de 2001. O trabalho do AT ocorre também em ambientes fora do setting terapêutico tradicional que conhecemos. É um trabalho que acontece na rua, na escola, na casa do paciente, em clínicas, dentre outros locais.
O presente ensaio tem por objetivo trazer aspectos teóricos acerca do acompanhamento terapêutico, abordando também sua especificidade. Com um viés psicanalítico, pode-se produzir a interlocução entre o aspecto teórico, e o prático do fazer AT, possibilitando assim, que haja uma costura sobre essa modalidade de trabalho.
O escrito apresentará também algumas ideias abordadas por autores como a Julieta Jerusalinsky, mais especificamente quando a autora aborda a sustentação do Outro no vínculo afetivo com o sujeito (2016). É possível também pensar sobre a ideia do luto dos pais pelo filho ideal, conceito trabalhado e pensado por Meira (2008).
Frente a essas pequenas anunciações, pode-se pensar sobre a relação íntima que o AT arma com o sujeito, e por certo, debruçar-se sobre essa clínica do enlace, dos encontros, e das possibilidades.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, pode-se pensar e questionar-se sobre “O que é o acompanhamento terapêutico?”. Esse pergunta, antes da resposta, deve ser sempre o norte do profissional que opta por trabalhar com essa modalidade, pois o AT se dá na clínica do dinamismo.
Uma das definições que mais faz sentido para a clínica do AT, segundo pesquisas, é retirado do livro “A clínica peripatética”, do Lancetti (2016). Neste livro, depara-se justamente com o termo peripatético, e nele concebe-se a ideia de que as conversações e diálogos produzidos no ato de caminhar gera um movimento não somente físico, mas também psíquico.
Tratando-se do acompanhamento terapêutico como uma clínica do movimento, pode-se fazer a associação com o peripatético, pois é através do movimento mútuo entre acompanhante e acompanhado que torna-se possível laço tão profundo e próspero para o desenvolvimento do paciente.
Se antes a pergunta era “o que é?”, agora a pergunta é “porque?”. A ideia inicial dessa modalidade era de poder ressocializar pacientes que estavam submetidos a internações. Esse movimento era feito para poder integrar novamente o paciente a sociedade, e desta forma, os profissionais de distintas áreas passavam a circular pouco a pouco pelas ruas com esses pacientes.
O movimento de AT tem ligação direta com o período da reforma psiquiatra, sendo conhecido como um trabalho que tem por excelência humanizar o trato com pacientes regressivos. É neste momento que este trabalho ganha força e destaque, fazendo seu registro tanto profissional, quanto simbólico na clínica do acompanhamento.
Lancetti (2016) afirma ser notória a diferença entre os pacientes que estavam enclausurados em manicômios, com aqueles que podiam efetivamente realizar saídas esporádicas. Pode-se pensar na ideia do acompanhante como o Outro que faz sustentação no laço com o paciente.
Passando pelas definições, é chegado o momento de pensar sobre as funções do AT. Para os autores Mauer e Resnizky (2008), as funções do acompanhante seriam o ato de conter o paciente; oferecer-se como modelo de identificação; ajudar a reinvestir; contribuir com um olhar ampliado do mundo objetivo do paciente; habilitar um espaço para pensar; orientar no espaço social e intervir na trama familiar.
Refletindo sobre os conceitos de definições trazidos pelos referidos autores, deve-se pensar sobre cada uma dessas funções, aproximando-se da realidade com a qual lida-se diariamente na clínica do AT.
Quando se fala do ato de conter, torna-se necessária ter a ideia de que a contenção se dá de diversas formas, podendo ser feita de forma física, medicamentosa ou pela própria sustentação da palavra; No que abrange colocar-se como modelo de identificação, refere-se a fato de que o acompanhado também espelha-se nos modelos ofertados pelo acompanhante, internalizando comportamentos mais saudáveis.
Quanto a ajudar a reinvestir, pode-se inclusive pensar no termo de narcisismo trabalhado por Freud, quando este fala sobre o investimento que a figura de cuidado deve ter sobre o bebê (1914). Nem sempre as figuras parentais e/ou responsáveis conseguem sustentar esse olhar, e a figura do AT pode ser importante para que se tente retomar esse vínculo, dando conta dá sustentação desse laço.
Falando em ter um olhar ampliado sobre mundo do paciente, refere-se principalmente a pacientes que por ventura tenham funcionamento regressivo, e que justamente o acompanhante- como o próprio nome sugere- acompanha o sujeito no seu mundo, possibilitando esse encontro no (des) encontro com o outro.
Habilitar um espaço para pensar é um dos pontos chaves do acompanhamento, assim como orientar no espaço social. São essas duas funções que ancoram o tratamento, possibilitando ao paciente conhecimento sobre si mesmo, e sua forma de circular pelos espaços sociais.
Intervir na trama familiar é um fator que ocorre com muita frequência no cotidiano do profissional que opta por exercer esse trabalho. Isso ocorre porque, na maior parte das vezes, faz-se acompanhamento com pacientes que tenham um funcionamento mais regressivo, com crianças, e dentro das modalidades do AT, inclusive acompanhar o sujeito a domicílio.
Como o nome do próprio ensaio sugere, deve-se pesar sobre a ideia de constituição do sujeito quando abordado o trabalho de acompanhamento terapêutico. Em algumas situações, é o acompanhante que faz esse investimento.
É válido ressaltar o que a Jerusalinsky (2016) fala quanto a ideia de que o trabalho enquanto AT tem um sentido de adequação do paciente ao meio. A autora retoma que a adequação pode estar atrelado a uma ideia de corresponder a um ideal de cultura, e nisso, pode-se cometer o equívoco de causar um apagamento do sujeito, tornando assim, uma pessoa adaptada ao meio.
Atendo-se um pouco mais as saídas, entenda-se que o AT intervém com a intenção de que a criança possa começar a estabelecer a borda que a separa dos espaços sociais, podendo assim implicá-la, na medida do possível, dentro das normas da sociedade. Essa prática não deve ser vista como uma simples adaptação normativa imposta sobre o sujeito, mas deve ser entendida como prática que convoca o sujeito para uma inscrição simbólica sobre ele. Sendo assim, existe a possibilidade de que o paciente se coloque de forma a desejar o laço social e não fique submetido a um imperativo da sociedade (JERUSALINSKY, 2016).
Pires (2016) afirma que deve-se atentar ao que pode ocorrer com o filho que encontra-se nessa posição, lugar de quem não está inscrito na ordem fálica, e acaba ocupando o lugar que a ele é atribuído, o sujeito que não personifica o ideal do eu.
A autora Meira (2008) também dedicou-se a pensar sobre essa relação e vinculação, atentando para o fato de que a falha dos pais se dá na impossibilidade de encontrar no filho deficiente ou com transtorno e sua própria realização. O filho que era esperado por eles, não nasceu.
De forma comum, todos os autores trazem a importância de poder sempre pensar no sujeito com o seu desejo. Toda e qualquer intervenção a ser feita, deve ser baseando-se no que quer o paciente, podendo dar voz a sua singularidade e subjetividade.
CONCLUSÃO
A partir do trabalho do acompanhamento terapêutico, torna-se possível que o sujeito e a sua família possam ganhar um novo olhar. Olhar este que ressignifica e fortalece o vínculo que possuem.
Uma das particularidades do trabalho como AT, é poder acompanhar o sujeito no seu mundo. É de grande importância que, ao optar por trabalhar nessa área, o profissional esteja disponível tanto fisicamente como internamente, para poder fazer parte do mundo do outro, e também emprestar o seu mundo a ele.
O AT desempenha um papel de suma importância, pois é ele quem se dispõe a olhar o sujeito na sua singularidade, podendo fazer parte do seu mundo interno, apresentando-lhe também possibilidade de integrar o mundo externo de forma saudável e sustentável, sempre pensando no desejo do sujeito em ser inserido em ambientes distintos.
O exercício de AT versa sobre perpassar os muros institucionais, explorando outros ambientes. É uma prática que se volta para a ressocialização do sujeito, ajudando-o na sua reinserção.
Entre o desamparo e as ruas da cidade, o acompanhante e acompanhado fazem laço de sustentação e amparo, há nisso a possibilidade de perder-se e encontrar-se no outro. Cabe ressaltar que o cerne do trabalho como acompanhante terapêutico, é justamente poder observar o que o título desse artigo sugere: para além da patologia.
Referências
JERUSALINSKY, J. A especificidade do Acompanhamento Terapêutico: travessias e travessuras. In: ______. Cap. 2. Porto Alegre: Álgama, 2016.
JERUSALINSKY, J. Travessias e Travessuras no acompanhamento terapêutico. Porto Alegre: Ágalma, 2016.
KISIL, A. I. Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico. Cap. 6. Porto Alegre: Álgama, 2016. O acompanhante terapêutico como assistente de pesquisa.
L. A. Clínica Peripatética. Cap. 1. São Paulo: Hucitec Editora 2016.
MAUER K. S.; RESNIZAKY S. Abordagens múltiplas. O lugar do acompanhante terapêutico. In: Acompanhantes Terapêuticos – atualização teórico clínica. Cap. 2. Buenos Aires: Letra Viva, 2008.
MAUER, K. S.; RESNIZKY S. Acompanhantes terapêuticos- atualização teórico-clínica. Buenos Aires: Letra Viva, 2008.
MEIRA, A. M. G. Quando o ideal falha. In: Escritos da criança nº4. Cap. 11. Porto Alegre: LidyaCoriat, 2008.
PIRES, L.M. Acompanhamento terapêutico em um caso de síndrome genética: do controle da voracidade ao apetite do sujeito. In: Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico. Cap. 9. Porto Alegre: Álgama, 2016.