SEGREDOS E MENTIRAS EM FAMÍLIA

Segredos e mentiras em famíliaQuando pensei em escrever sobre este assunto lembrei-me da frase de uma pessoa que conheci que dizia o seguinte: “Quando criança sentia que tinha a impossível missão de colocar uma enorme pedra dentro de uma caixinha de fósforos”. Se alguma família ou membros desta tem algum segredo guardado, bem como uma mentira que se perpetua, pode gerar em seus membros, principalmente em gerações posteriores aos guardiões da verdade, uma sensação de que há algo sem nome e sem sentido. Como se tivesse que carregar uma história que não cabe em si.

Pode acontecer de um ou mais membros da família desenvolver um sintoma que anuncia que algo não se encaixa, provocando eventualmente situações de crise familiar evidenciando pactos e alianças feitos, por dois ou mais membros. Pacto que tem como objetivo a sustentação do segredo, o que causa um grande custo à família e a seus membros, mesmo quando alimentam a ilusão de proteção e sobrevivência.
Caso alguém da família crie um sintoma revela que as coisas não se encaixam, o corpo “fala” aquilo que não pode ser pensado, que não está sendo possível ser colocado em palavras nem tampouco nomeado. Geralmente repete em sua vida o que está escondido a sete chaves, podendo, inclusive, ser reeditado em gerações seguintes. Gera a sensação de ter dentro de si uma história que lhe pertence por conhecer e outra por vivências das quais não tem consciência, mas esta dentro como uma história “estranha” da qual não sabe de onde surgiu. Freud em 1919 num artigo intitulado de “O estranho”, afirma que o estranho não é nada novo, e sim secretamente familiar que há muito se estabeleceu na mente, mas foi excluído por um processo chamado recalcamento que tenta excluir o inexplicado, mas que de alguma forma tenta retornar.
Todos nós, construindo pouco a pouco, em nossa existência histórias familiares a partir de versões contadas, vividas, sentidas, percebidas e mesmo fantasiadas. Em dado momento as histórias se encaixam, como peças de quebra-cabeça, dando sentido à figura. Somos capazes de entender as perdas, as uniões, as origens e etc. Caso haja uma mentira ou segredo, as peças deste quebra-cabeça passam a não se encaixar, ficando uma “impossível missão de colocar uma enorme pedra dentro de uma caixinha de fósforos”. E o que fazer então com isso?
A família ou o membro que desenvolveu o sintoma precisa realizar um imenso trabalho, ou seja, pensar o impensado, dar sentido aquilo que está sem sentido, significar às sensações, percepções “estranhas”, explicar o que não está bem claro, nomear as tantas versões criadas. É um trabalho árduo, mas certamente pode ajudar às famílias e as gerações seguintes a não mais esbarrar em situações as quais não consiga responder. É como o trabalho de um artista que precisa esculpir uma “enorme pedra”, dar-lhe forma e nome para caber dentro de si. Para isso faz necessário a ajuda de um profissional psicólogo, psicanalista que se disponha a ajudar este indivíduo ou grupo a realizar este “processo artístico” de esculpir e dar sentido a esta história.
Patrícia Poerner Mazeron – Psicóloga (CRP 07/4714)