O conceito de sintoma na psicanálise – uma revisão*

Falar em sintoma, para a maioria das pessoas, pode ser o mesmo que falar em doença. Podemos pensar, então, que, se resolvemos o sintoma, curamos a doença? A resposta para esta questão é muito mais complexa do que podemos pensar, mas vamos lá, afinal, quem de nós não tem seu sintoma de estimação?
Na prática da psicoterapia psicanalítica, os sintomas podem ser entendidos como atos, muitas vezes indesejados, que causam desprazer e sofrimento, gerando todo um dispêndio de energia e alguma (ou muita) paralisação do indivíduo na sua vida em geral.
Freud, ao longo de sua obra, nos mostra que os sintomas são resultado de um conflito psíquico, ou seja, há uma busca de satisfação de libido. Ele nos mostra que duas forças entraram em luta e que o sintoma seria uma forma delas se reconciliarem através de um acordo.
A psicanálise ensina que não podemos tomar um sintoma ao pé da letra, pois trata-se sempre de uma outra coisa. Se fizermos isso, corremos o risco de perder de vista o discurso do indivíduo, que vai mostrar, este sim, quais as desordens que existem na sua vida. Sintomas são, então, como sonhos: enigmas que precisam ser decifrados. Todo sintoma tem valor de linguagem e aparece para exprimir o que o indivíduo ainda não pode dizer em palavras.
Antes de 1900, o conceito surge para Freud através das pacientes histéricas que convertem no corpo suas dores psíquicas que não vinham à consciência, mas que traziam fatos de suas histórias de sexualidade infantil. Entre 1900 e 1920, Freud fala do sintoma como um conflito, uma angústia, uma expressão de algo que existia internamente, mas que não estava sendo administrado por mecanismos de defesa. Assim como nos sonhos, o sintoma funciona como uma opção para a realização de desejos, e aparece como alternativa de acesso ao inconsciente.
Após 1920, o sintoma se apresenta de duas formas: pode demonstrar incômodo e sofrimento visível, ou aparecer no sujeito de forma funcional (fazendo parte do funcionamento da personalidade e sendo assim muito difícil para este indivíduo abrir mão dele).
Depois de Freud, diversos autores contribuem para o entendimento do sintoma, como veremos alguns a seguir.
1 – Melanie Klein: importantes aspectos dessa teoria, como a fantasia inconsciente, a relação entre objetos, a ansiedade/angústia e as suas defesas, são base para a formação do sintoma. A teoria enfatiza a relação do mundo interno do indivíduo com os objetos internos (da fantasia), o mundo externo e as experiências de gratificação e frustração na formação da vida psíquica. Tais relações originam-se ao nascimento do bebê e permanecem ao longo da vida do indivíduo.
A ansiedade é entendida como resposta psíquica ao conflito entre pulsões de vida e morte. Conforme o desenvolvimento psíquico e neurocognitivo do indivíduo, há mudanças na qualidade das relações de objeto, assim como modificações do tipo de ansiedade. Inicialmente, a ansiedade é de aniquilação, inata e representa o temor de ter o ego desintegrado por um objeto situado dentro do ego. Na defesa contra a ansiedade oriunda da pulsão de morte, o indivíduo pode deslocá-la, na forma de agressividade para o objeto externo e passa a temer a retaliação por parte deste (e ser aniquilado).
Com a melhor percepção do objeto externo (que possui ambivalências, que pode ser bom e mau como uma pessoa inteira), a ansiedade passa a ser por medo de perda do objeto por ataques feitos pelo indivíduo em fantasia. A ansiedade e a agressividade nas relações de objeto, simbolizadas pelo sintoma, podem ser compreendidas e interpretadas no tratamento por meio da transferência e do brinquedo.

2 – Winnicott: ele defende que o desenvolvimento saudável do indivíduo depende de um ambiente suficientemente bom no início da vida, que propicie o amadurecimento do bebê respeitando o seu ritmo. Tais cuidados são oferecidos por uma mãe ou cuidador suficientemente bom, aquela que sabe dosar a medida de acolhimento e de frustração necessárias para o bebê ter um desenvolvimento saudável.
No início, o bebê depende totalmente dos cuidados desta mãe e, aos poucos, caminha rumo à independência. Para isto, o ambiente necessita adaptar-se totalmente às necessidades do recém-nascido. O oposto disso será um ambiente ruim, aquele que não respeita o ritmo do bebê, transformando-se em uma invasão contra a qual o bebê terá de reagir. São estas falhas no desenvolvimento emocional primitivo que darão lugar ao sintoma na teoria de Winnicott.
3 – Lacan: Para Lacan, o sintoma pode ser compreendido de três formas:

  1. Como mensagem endereçada ao outro (mensagem-metáfora): é através da palavra que se desvela o sentido que a mensagem-sintoma escancara e esconde; o sintoma só tem sentido através de sua relação com outro significante. Portanto, o sintoma é uma linguagem, cuja fala precisa ser libertada. E é somente no contato com o outro que isso pode acontecer.
  2. Como modo de gozo: mesmo depois de ter seu sintoma decodificado pela interpretação, o sujeito pode não querer renunciar a ele. É a esse resto do desvendamento significante que Lacan dá o nome de gozo, confirmando Freud que já havia demonstrado que o neurótico, ainda que demande a cura, não só não a quer como se agarra ao gozo do seu sintoma.
  3. Como produção e invenção do sujeito: um sintoma é um saber de si inconsciente e o papel da psicanálise não se limita a desvelar o sentido disso, mas deve trabalhar para neutralizar a cadeia significante que alimenta a produção do sintoma.
    Assim, se pudermos olhar para o indivíduo além de seus sintomas e comportamentos, e nos interessarmos por quem ele realmente é e o que ele nos conta, tentando descobrir juntos do que ele realmente está falando, ajudaremos demais nesta jornada de autoconhecimento.

*Texto elaborado pela equipe de estágio em psicologia clínica da Clínica Horizontes (coord. Edda Petersen, Renata Rehm, Renata Gonzalez, Karin Richter, Amanda Klimick, Gabriela Disegna, Taina Barbosa, Lucas Perusso, Marilei Zanini), e com contribuição das professoras de fundamentos psicanalíticos de Winnicott e Melanie Klein Ana Cláudia Menini e Richelle Albrecht do curso de formação em psicoterapia de orientação analítica de crianças, adolescentes e adultos do Instituto Horizontes.
Bibliografia utilizada pelos estagiários: “O Conceito de Sintoma na Psicanálise: uma introdução” – BORBA MAIA, A.; PEREIRA DE MEDEIROS, C.; FONTES, F. Revista estilos da clínica, 2012