Tido como propósito dominante dos processos inconscientes, o princípio do prazer representa a busca incessante do aparelho psíquico pela satisfação prazerosa de suas pulsões libidinais. É, de toda forma, uma característica fundante das estruturas psicológicas, representando as inscrições da dimensão imaginária que ao irromperem em seu campo material –a linguagem- ganham forma nas mais variadas manifestações comportamentais.
A partir do momento do nascimento, o indivíduo inicia uma jornada de construção de si mesmo por meio de tentativas sistemáticas de obtenção de prazer e a consequente frustração causada pelas imposições da realidade externas ao próprio eu (inclusive a demarcação espacial e semântica do que o sujeito futuramente chamará de ‘corpo’). Pela articulação entre prazer e poder (realidade), o processo de diferenciação entre o “eu” e o “outro” resulta do contato entre o corpo desejante (governado exclusivamente pelo desejo de satisfação e prazer) e o corpo simbólico (construído como uma metapercepção de um “eu” ideal, per se, socialmente formatado).
O corpo simbólico atua sobre o corpo desejante pela introjeção das leis estéticas sociais (e.g. tabus, mitos etc.), ativando as imposições que limitam e inibem a satisfação total das pulsões motivadas pelo principio do prazer. No contato com a cultura, o indivíduo composto de um ego-prazer transforma-se em um indivíduo composto de um ego-realidade, consolidando parcela de sua realidade psíquica pela dimensão do super-ego. Por meio da dimensão super-egóica, o corpo desejante (outrora governado pelo princípio do prazer), torna-se agora governado por um princípio de realidade, onde o desejo propulsor do ‘eu’ na malha social é, senão, o da proibição.
A proibição instaurada pelo modelo relacional do sujeito com a realidade, descrito por Lacan como nome-do-pai, pauta as relações do eu com o Outro, e solicita do frágil ego- prazer a submissão às dinâmica de saber-poder. Assume-se que para o ego-realidade, o papel patriarcal (daquele que possui o falo) é o que inscreve o ego-prazer no campo do Outro e, assim, o eu no campo político (i.e., um ‘eu’ que se entende como alguém político e com uma existência socialmente validada).
Diz Lacan que o Outro atua sobre o sujeito na forma de um conjunto de leis contextualmente localizadas, onde o desejo pelo poder (i.e., pelo falo) permite a inscrição do ego-prazer no âmbito das trocas simbólicas e, consequentemente, a transmutação do princípio do prazer (corpo desejante) em um desejo pela proibição (corpo simbólico, fundamentalmente imperfeito e faltante). Não distante disso, como apontado por Judith Butler, reside no desejo pela proibição o desejo pela sujeição (i.e., a possibilidade de
simbolizar). De forma geral, pode-se dizer que o sujeito se constitui pela proibição e abnegação de si mesmo, por meio do discurso do Outro.
Assumindo tais concepções teóricas a respeito do “desejo pela proibição” e a ideia de princípio do prazer como Leitmotiv do desenvolvimento psicológico e de socialização, restam alguns dilemas à psicanálise, que circundam a ideia de o princípio do prazer ser, ou não, um princípio fundamental da constituição egóica. Mais além, tendo noção de que a linguagem é o ponto de partida para a construção sujeitiva, não mais podendo associar-se a dimensão inconsciente a uma dimensão pré-discursiva ou antagônica ao desejo cultural (pela proibição), seriam o inconsciente e a realidade realmente duas estruturas separadas e dissociadas em propósito, uma da outra, ou, na verdade, ambas dimensões estariam orientadas para uma mesma meta constitutiva? Afinal, o que é (ou qual é) o desejo da psicanálise?
Textos que embasam essa escrita:
Butler, J. (1990). Gender Trouble: feminism and the subversion of identity. New York, Routledge: Champman & Hall.
Deleuze, G. & Guattari, F. (2010). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34.
Foucault, M. (1976). A história da sexualidade I: vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal.
Freud, S. (1920) Além do princípio de prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago.
Lacan, J. (2008). O Seminário 16 – De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar.
Sobre o autor:
Willian Krüger é Psicólogo Clínico (CRP 07/35028) com especialização em andamento em Psicoterapia Psicanalítica. Atua como pesquisador no Grupo de Pesquisa em Ciências da Linguagem – GPCL (UFCSPA) e no Núcleo de Estudos em Gênero, Sexualidade e Saúde (EGSS). Atua nas áreas de Análise da Conversa, Psicoterapia, Psicanálise e Gênero & Sexualidade. Ele é membro da Sociedade Internacional de Análise da Conversa (ISCA) e
da Associação Internacional de Sociologia (ISA – RC 25 Language & Society). Trabalha com atendimentos clínicos presenciais e online, com crianças, adolescentes e adultos.
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