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Estrutura Esquizofrênica de Jean Bergeret

Resenha Formação em Psicoterapia Psicanalítica
Primeiro semestre – 2018/1
Sabrina de Aguiar Fernandez

Bergeret fala das estruturas fundamentais do indivíduo, iniciando pelas mais rudimentares até as mais evoluídas em relação ao desenvolvimento típico, pontuando as diferenças entre elas. Vou enfocar a linhagem estrutural psicótica e dentro dela, a estrutura esquizofrênica. Na estrutura psicótica há uma falência da organização narcísica primária dos primeiros instantes de vida. A criança não consegue diferenciar-se da mãe-sujeito, como objeto próprio; o ego jamais está completo.

Na minha prática clínica atendo alguns pacientes com diagnóstico de esquizofrenia e estes apresentam diferenças entre eles. O primeiro, por exemplo, é dependente da mãe, sai de casa, vende balas na rua mas não sabe contar o dinheiro, leva lixo pra dentro de casa, fala palavrões para os vizinhos. O segundo traz a tia e a mãe nas consultas, cuida dos remédios delas, é muito organizado quanto a isto.

Segundo Bergeret, a estrutura esquizofrênica situa-se na posição mais regressiva, tanto do ponto de vista da evolução libidinal quanto do desenvolvimento do ego. Como mecanismos de defesa apresentam a condensação, deslocamento e simbolização, característicos do processo primário que leva a distorções da realidade e afrouxamento das associações. A angústia de fragmentação está ligada à impossibilidade sentida de constituir um verdadeiro ego. A relação objetal orienta-se para o autismo, em um esforço de recuperação narcísica primária. Freud definiu esquizofrenia como neurose narcísica pela regressão primordial desta estrutura. Encontra-se em uma organização pulsional autoerótica com investimento libidinal voltado para o Eu (pulsão pré-genital de dominância oral).

Voltando aos dois pacientes, em ambos os casos, são mães deprimidas; no primeiro caso, a mãe tem depressão leve, mas carrega muita culpa por tê-lo deixado sozinho quando criança, por muitas vezes, aos cuidados de uma tia que morava no mesmo pátio, pois trabalhava. No segundo, uma depressão diagnosticada como grave, em uso de várias medicações, em contrapartida uma família mais agregada. Bergeret coloca como características da mãe de pessoas com estrutura esquizofrênica como uma mãe “autoritária, superprotetora mas ao mesmo tempo ansiosa e culpabilizada. Mas talvez ainda mais marcada pela frieza afetiva pessoal, ao mesmo tempo que pela necessidade de total dependência de seu filho em relação a ela.” Mãe tóxica, frustrante. Com relação aos aspectos linguísticos, “o sujeito não pensa nem fala realmente com palavras, mas age com estas palavras como o faria com objetos”.

Permeando estas características da estrutura esquizofrênica, penso que por ter uma família mais estruturada o segundo paciente consegue ser mais funcional que o primeiro que não teve este recurso.


Referência

Bergeret, J. (1998). A personalidade normal e patológica. Porto Alegre: ArtMed.

Melanie Klein e conceitos de Inveja e Gratidão

Autora: Renata de Castro Schindel

Gratidão e inveja são sentimentos divergentes operantes desde o nascimento, tendo como primeiro objeto o seio. A inveja atua não apenas nas situações de privação, mas também na formação do caráter, de forma inconsciente. Pode atuar, inclusive, na reação terapêutica negativa, dando limite para o êxito analítico. Ela é uma expressão sádico-oral-anal de impulsos destrutivos.

A inveja se dá nas dificuldades do bebê em construir o objeto bom (significado da bondade materna, paciência e generosidade), pois se sente privado da gratificação do seio. É um sentimento raivoso para alguém que possui e desfruta de algo desejável, a qual incentiva ações do bebê para estragar esta coisa. Remonta a mais arcaica e exclusiva relação com a mãe (sem outros). Visa depositar maldade no objeto, excrementos maus, partes más do self com a finalidade de destruí-la. No sentido mais profundo, sua intenção é destruir a criatividade da mãe. É um aspecto destrutivo dentro da identificação projetiva. A inveja faz com que o bebê sofra ao ver que outra pessoa possui o que ele quer para si. O invejoso sente-se bem com o infortúnio dos outros. Qualquer esforço para satisfazê-lo é infrutífero.

Já o ciúme, diferentemente da inveja, presume uma relação com outra pessoa. É um sentimento de amor que lhe é devido e que foi tirado por um rival (gerando privação da pessoa amada). O ciúme teme perder o bom do objeto (veja que aqui existe a relação com o bom). Pode ser uma paixão nobre aguçada pelo medo ou ignóbil voracidade estimulada pelo medo.

Outro conceito é a voracidade. Ela é uma ânsia insaciável que visa sugar, devorar, acabar com tudo que o objeto é capaz de dar. É uma introjeção destrutiva (precisa acabar com o que tem de bom).

A voracidade, a inveja e a ansiedade persecutória intensificam-se umas às outras. O sentimento de dano causado pela inveja gera ansiedade e incerteza da bondade do objeto, o que aumenta a voracidade e os impulsos destrutivos. A privação também intensifica a voracidade e a ansiedade persecutória no bebê. Ele acredita existir um seio inexaurível, ainda que o bebê seja inadequadamente amamentado. Nessa circunstância, o seio torna-se mau por reter o alimento e o amor só para si, o bebê odeia e inveja o seio mesquinho. Essa facilidade com que o bebê percebe o leite saindo do peito é vista por ele como um dom inatingível.

Por isso, o primeiro objeto a ser invejado é o seio, tendo em vista que ele tem tudo que o bebê deseja: alimento e amor. Dessa forma, a inveja brota de dentro e sempre encontra um objeto sobre o qual focar-se, é insaciável. Somado ao ressentimento e ódio, torna a relação com a mãe perturbada. A inveja excessiva indica que traços paranoides e esquizoides são anormalmente intensos e que o bebê pode ser considerado como doente.

Os ataques sádicos são determinados por impulsos destrutivos e a inveja lhes confere um ímpeto especial. O seio bom perde seu valor por ter sido objeto de ataque (mordido, envenenado por urina e fezes). A inveja excessiva aumenta a duração e a intensidade desses ataques, tornando difícil para o bebê a recuperação do objeto bom.

A inveja na transferência aparece em forma de crítica destrutiva às interpretações do analista ou na dificuldade em atribuir sucesso ao trabalho do analista. Em alguns casos, o progresso lento também é relacionado à inveja. Quando bebê, em decorrência da intensidade de mecanismos paranoides e esquizoides, ele não é capaz de manter separados o amor (objeto bom) e o ódio (objeto mau) e se sentirá confuso entre o que é bom e o que é mau em outros contextos. Se o objeto bom não pôde ser assimilado nos estágios primários, o curso da análise é prejudicado pela transferência negativa.

Algumas pessoas agarram-se a qualquer interpretação que alivie sua ansiedade e prolongam a sessão na tentativa de tomar para si tanto quanto possível aquilo que é sentido como bom. Outras têm tanto medo de sua voracidade que fazem questão de saírem na hora.

A criança que tem um objeto bom introjetado, tem capacidade de amor e gratidão e pode suportar estados temporários de inveja, ódio e ressentimento sem que fique profundamente danificada. Quando esses estados negativos são transitórios, o objeto bom é capaz de ser recuperado a cada vez e isso fornece a base da estabilidade e de um ego forte. Ao contrário do que se imagina, a ausência de conflito, caso possível, priva o bebê de enriquecimento da personalidade. Pois o conflito e a necessidade de superá-lo é um elemento essencial à criatividade.

Um dos principais derivados da capacidade de amar é o sentimento de gratidão. É o fundamento da apreciação do objeto bom nos outros e em si mesmo. O bebê só pode sentir satisfação completa se a capacidade de amar é suficientemente desenvolvida. Sendo assim, a satisfação é a base da gratidão. Essas experiências constituirão toda a felicidade subsequente, pois tornam possível o sentimento de unidade com outra pessoa, de ser plenamente compreendido, o que é essencial para toda a relação amorosa ou de amizade.

Se há experiência frequente de ser alimentado sem que a satisfação seja perturbada, a introjeção do seio bom acontece com relativa segurança. A gratificação se transforma em uma dádiva que o bebê deseja guardar do objeto amado. Isso é a base para a gratidão. Intimamente ligada à confiança em figuras boas. Ou seja, ser capaz de assimilar o objeto amado sem que a voracidade e a inveja interfiram demais, pois a internalização voraz perturba a relação com o objeto. Na relação boa com o objeto, predomina o desejo de preservá-lo e poupá-lo (ao contrário da relação voraz).

A confiança na própria bondade é decorrente da capacidade de investir libidinalmente no objeto externo que ama e protege o self e que é amado e protegido pelo self.

Quanto mais frequentemente é sentida e aceita a gratificação proporcionada pelo seio, mais frequentemente são sentidos os sentimentos de prazer e de gratidão e maior é o desejo de retribuir o prazer proporcionado pelo seio. Essa gratidão em nível mais profundo é responsável pela capacidade de reparação e pela sublimação.

A gratidão também está intimamente ligada à generosidade (capacidade de compartilhar com os outros dons do objeto). Torna possível a introjeção de um mundo externo mais amistoso. Em contraposição, pessoas que não têm esse sentimento de riqueza e forças internas suficientemente estabelecidas, podem ter acessos de generosidade que são seguidos da necessidade exagerada de reconhecimento e gratidão, ligados à ansiedade persecutória de ter sido empobrecida ou roubada. O sentimento de haver danificado e destruído o objeto originário prejudica a confiança do indivíduo na sinceridade de suas relações subsequentes e o faz duvidar de sua capacidade para o amor e para as coisas boas.

Quando o sujeito não consegue estabelecer firmemente seu primeiro objeto, não é capaz de manter gratidão e qualquer aumento na ansiedade persecutória faz com que o objeto originário bom seja completamente perdido por processos de cisão (divisão do objeto em seio bom e seio mau) e desintegração. A cisão dispersa os impulsos destrutivos e as ansiedades persecutórias. Ela é uma defesa da posição esquizo-paranoide. A cisão é a pré-condição para a estabilidade emocional do bebê, pois mantém o objeto bom separado do mau, o que deixa mais elevada a segurança do ego. Essa divisão só é bem-sucedida se existir uma capacidade de amar e um ego relativamente forte. A cisão é essencial para a integração, pois preserva o objeto bom que mais tarde será associado ao mau.

A integração gradual advém da pulsão de vida e se expressa na capacidade de amar. Já a tendência oposta cinde seus objetos e a si mesmo em resposta à ansiedade primordial.

A inveja excessiva interfere na cisão fundamental e a estruturação do objeto bom não pode ser completamente conseguida. Uma cisão muito profunda entre os objetos indica que não é o bom e o mau cindido, mas um idealizado e um extremamente mau. Essa divisão revela que os impulsos destrutivos, a inveja e a ansiedade persecutória são muito intensas. Sendo que a identificação projetiva excessiva leva uma confusão entre self e objeto, o que enfraquece o ego.

Já a idealização excessiva indica que a perseguição é a principal força propulsora. A idealização tende a desmoronar, já o objeto bom pode conservar suas imperfeições. Por isso, o objeto amado idealizado precisa ser constantemente trocado por outro, já que nenhum preencherá integralmente suas expectativas. A pessoa que era idealizada passa a ser sentida como um perseguidor e dentro dela é projetada a atitude invejosa e crítica do sujeito.


Referência: Klein, M. (1957/2006). Obras completas de Melanie Klein, vol 3, Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.

Curso: Desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras através dos jogos

Período: Janeiro de 2019 : Dias 15 22 e 29 / Terças das 9:30 às 12:00

Público: Pedagogos , Psicopedagogos, professores, estudantes, psicólogos, profissionais da saúde

Ministrantes: Vanessa Cardoso Diehl: Psicopedagoga | Especialista em Neuropsicologia / Silvana Cetra:  Psicopedagoga e Orientador Educacional / Ana Paula Lauerman: Psicopedagoga e Diretora Pedagógica da Escola Pólo infantil

Conteúdo:

  • Teoria e prática sobre a importância dos jogos na educação e terapia;
  • A neurociência e os jogos;
  • Os Jogos e suas especificidades;
  • Desenvolvimento da atenção, memória e raciocínio através dos jogos.

Local: Clínica Horizontes: Rua José Gomes, 393, Tristeza, Porto Alegre

Inscrições: 51 3019.1799 / instituto@clinicahorizontes.com.br

Valores e forma de pagamento: R$ 150,00 até três vezes / Dinheiro, Pag Seguro ou Cartão

Estudo de caso Anorexia Nervosa em Adolescentes in: Barreiras autistas em pacientes neuróticos

Estudo de caso extraído do texto Anorexia Nervosa em Adolescentes in: Barreiras autistas em pacientes neuróticos
Aluna: Rosele Barcelos de Souza

Resumo

Estudo de caso extraído do texto Anorexia Nervosa em Adolescentes in: Barreiras autistas em pacientes neuróticos. Que relata o tratamento de uma paciente de treze anos levada à internação por um quadro de anorexia. O presente revisão teórica do tratamento em questão visa demonstrar as facetas realizadas pela dupla terapêutica durante o período de internação, as estratégias da terapeuta e as fantasias estabelecidas pela paciente, assim como o trabalho de contratransferência e interpretação que se deram ao longo do tratamento.

Caso

Margareth, 13 anos, faz aulas de ballet desde os 9 anos, a mãe sempre desejou ser uma bailarina. Apresenta amenorreia, falta de apetite, perda drástica de peso, teve um desmaio numa aula de orientação sexual, abomina qualquer assunto referente a sexo ou menstruação. O pai era marinheiro e ao sumir no mar quando Margareth tinha 4 meses, a mãe desencadeia uma grave depressão e seca seu leite. Margareth não se adaptou a mamadeira e dormia durante as mamadas. O pai retornou depois de um longo período desaparecido, logo a mãe engravida, quando a menina estava com três anos, Margareth desenvolve uma gastroenterite severa e é internada. A mãe descobre uma diabetes que lhe causa comas e é internada muitas vezes. O pai rejeitava a filha, mas ia visita-la no hospital. A mãe relata que tem uma relação muito intima com a filha e a tem como uma irmã mais nova. A mãe de Margareth engravida por mais duas vezes tendo ela três filhos homens e Margareth. O pai mostra uma evidente preferência pelos filhos homens.

Após os sintomas de anorexia nervosa aos 13 anos Margareth é internada e encaminhada para psicoterapia, que se dava três vezes por semana. No início do tratamento Margareth não falava, ficava quieta e não direcionava o olhar para a terapeuta. A terapeuta utiliza de uma análise focada na relação transferencial com a paciente.

Percebe que Margareth tem um funcionamento desintegrado onde pontos positivos e negativos dos objetos não se relacionam. A terapeuta utiliza de um método

onde não ofertava ou sugeria comida, nem a visitava ou dava presentes no hospital. Era pontual nos atendimentos e não tentava tranquilizar a paciente no que dizia respeito a seu desespero por sentir-se indigna de amor.

Utilizava da transferência evocando experiências pré-verbais e primitivas da paciente. Sentia muita dificuldade de contato pelo retraimento que Margareth apresentava. Utilizava de uma fala simples e direta tentando dar vazão ao jogo de sentimentos que ali se instaurava. Na falta de associações verbais, outros detalhes eram utilizados, como a interpretação de singelos gestos e olhares. As interpretações se davam num primeiro momento de acordo com qualquer mudança de postura, expressões faciais e movimentos das mãos de Margareth. Percebe que a paciente tem um tique nas mãos.

Na primeira sessão Margareth deita-se sobre o divã, envolta por um cobertor, não lança olhares para a terapeuta, tão pouco fala. A paciente tem um olhar apreensivo, interpretado pela terapeuta como um receio ou medo de toda aquela situação nova no ambiente hospitalar, toda uma equipe e pessoas que vão e vem.

A menina diz com uma voz uase inaudível, que sua professora prometeu-lhe visitar naquele dia e não foi, a terapeuta precisa se aproximar para escutar suas fracas palavras, e percebe um mau odor exalando do corpo da paciente, mas o suporta. A terapeuta interpreta a fala da paciente como um sentimento de desesperança, abandono e medo da decepção, e diz que seus encontros estão confirmados para as semanas que seguem e explica dias e horários de atendimento. A partir disso Margareth se mostra um pouco menos retraída e fria e aconchega-se em seu cobertor sobre o divã, o que remete a terapeuta a uma criança sendo amamentada. Nas sessões seguintes Margareth se mostra confiante pela constância das sessões, engorda 200 gramas, o que a terapeuta interpreta como uma recompensa a ela, que a alimenta com suas palavras. Margareth parece estar acreditando que possa ser ajudada física e moral, o que antes lhe parecia humanamente impossível. A terapeuta passa a construir uma associação da amamentação na primeira infância, o que desencadeou uma fantasia inconsciente sobre a alimentação e as relações sociais que a permeiam.

A partir do vínculo estabelecido, os estímulos para viver passam a se ligar diretamente a pessoa da terapeuta. Que passa a ser objeto totalmente bom, lhe dando esperanças de melhora ou totalmente mal, lhe sucitando uma inveja pela vivacidade da mesma e de sua liberdade de ir e vir do hospital e ter uma vida fora dele. Às vezes sentia-se ameaçada pelo espaço das sessões e seu peso voltava a cair. A tia de

Margareth que estava grávida logo que a menina foi internada, tem o bebê, e Margareth se identifica com essa, tendo fortes dores abdominais clinicamente sem explicação. A terapeuta associa o fato à gastroenterite que a menina teve quando a mãe engravidou de seu primeiro irmão. O comer para Margareth era como alimentar um bebê feito ás custas da terapeuta, seu sentimento de inferioridade por ser uma menina era claro, assim, preferia não menstruar, não realizar as aulas de ballet, que a identificavam com a mãe, uma mãe fraca e depressiva.

Após algum período, a paciente dá-se conta que a figura da terapeuta não é onipotente, e que se ela não comer irá morrer. Sentia-se sugando a terapeuta, mas por falta de confiança não conseguia ter nenhuma atitude que pudesse reavivar o interesse da terapeuta, assim como sentia-se em relação a mãe, desde seus quatro meses, ao secar o leite pela depressão da mãe, o retorno do pai, as gestações complicadas da mãe, diabetes, comas. Precisava acreditar na onipotência da terapeuta pois só assim poderia estar protegida, elas eram uma só, se a terapeuta morresse ela também morreria. Ate então, só havia internalizado nela uma mãe fraca, doente, quase morta, de quem não conseguia se libertar, por isso sentia-se impotente, fraca, quase morta.

Pensava esgotar a terapeuta com suas demandas, a doença incurável da mãe a fazia pensar que nada que pudesse fazer seria suficiente, por isso sua sensação de inutilidade e inadequação.

A dança, o ballet, que era um sonho da mãe se torna sem sentido, pois todo movimento é vida e suas incertezas eram quanto a crescer, se divertir, progredir ou ficar quieta, deprimida e morrer. Viver era confrontar a mãe, e desapontá-la satisfazendo seus instintos femininos e rivalizando com ela. Mostrava isso na sua relação transferencial com a terapeuta, onde procurava o cuidado a atenção que necessitava, mas hesitava em despertar a inveja e a hostilidade e acabar por esgotá-la, se mostrando dócil e submissa por algumas sessões. Seus impulsos agressivos apareciam noutra menina do hospital, que mordia a irmã na enfermaria. Mostrava o medo de morder, de seus instintos agressivos, mais uma explicação para sua restrição alimentar.

Após um longo período de tratamento, onde após a alta hospitalar a paciente continuou sendo atendida ambulatorialmente, mostrou-se apta a realizar tarefas de o cotidiano como estudar e trabalhar, reatou amizade com uma antiga amiga e mais tarde casou-se e teve filhos. O tratamento com a terapeuta seguia e sua vida era vivida normalmente.

Este caso clínico pode explicitar que a anorexia é muito bem explicada por conflitos das relações entre pai e mãe, aprisionamento e liberdade gravidez e esterilidade e vida e morte. O sucesso do tratamento resultou na solução de uma elaboração do conflito muito precoce da ligação da paciente com a mãe através da terapia analítica detalhada.

Conclusão

É possível concluir pela apresentação deste caso, que o trabalho de utilizar da técnica da análise transferencial e interpretações diretas, assim como o respeito ao timing da paciente foram cruciaisl para o sucesso do tratamento, assim como o respeito a história de vida da paciente. A comunicação estabelecida assim como noutros casos de transtornos alimentares, pareceu por vezes insuficiente e a destreza da terapeuta em interpretar a linguagem não verbal da paciente no inicio do tratamento, foi crucial para o desenvolvimento do mesmo. A transferência adesiva da paciente mostrou sua forte dependência emocional e psíquica e serviu de subsídio para a condução da técnica a ser realizada.

Bibliografia

Tustin, F. (1990). Anorexia nervosa em adolescentes. In: Barreirras autistas em pacientes neuróticos. Porto Alegre: Artes Médicas.

O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE

Artigo escrito por Patrícia Figueiredo De Souza Nunes
Curso de Formação Psicanalítica (Clínica Horizontes) 
Professora: Lisandra Salles

Freud trata a questão da técnica e métodos da interpretação dos sonhos não como algo rígido e imutável, mas sim a maneira como o analista pode se utilizar da arte da interpretação, inquestionáveis formas de abordar o assunto, pode haver mais de um caminho bom, mas alguns maus o que leva a uma comparação para melhor esclarecer.

A clínica psicanalítica desperta o interesse no conteúdo dos sonhos trazidos pelos pacientes, mas não sendo somente algo linear, conteúdos que fazem sentido primeiramente como um primeiro relato podem ser atropelados por novos sonhos e assim ter que retomar o primeiro no meio de novos assuntos que apareceram. A importância do conhecimento da superfície da mente do paciente para o analista é primordial, pois em qualquer instante complexos e resistências se ativam e o comportamento consciente é o que o orientará. A interpretação que aparece em uma sessão deve ser compreendida como suficiente e não considerar prejuízo se não aparecer todo o conteúdo, deve ser respeitada a primeira coisa que vem à mente do paciente e assim ir trabalhando como aparece, com cuidado que a interpretação não seja para o paciente como algo que deva ter resolução por parte do analista e/ou que o paciente sinta a necessidade de ter ou trazer sonhos e assim gerando a interrupção destes.

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Sobre o Narcisismo: Uma introdução

Artigo escrito por Natália Mezera Araujo – Formação em Psicoterapia Psicanalítica – Instituto de Ensino Horizontes | Julho de 2018

Inicialmente descrito como algo perto da perversão, referindo-se a pessoa que trata seu corpo da mesma forma que um objeto sexual, o termo narcisismo passou por modificações até ser considerado como uma parte da libido que faz parte do curso normal do desenvolvimento sexual. Falar sobre narcisismo parece estar sempre beirando entre a normalidade e a patologia, entre o que nos identificamos e o que não nos pertence. Em uma sociedade tão adoecida como a atual, pensar em narcisismo e suas nuances nos aproxima da clínica e mais ainda, nos aproxima de nós mesmos.

No texto de 1914, Freud inicia a pensar no conceito de narcisismo através da esquizofrenia, que apresentava duas características fundamentais: megalomania e desvio de interesse do mundo externo. Em relação a essa última, questionava-se para onde iria essa libido que foi afastada dos objetos externos. A conclusão é que ela seria dirigida para o ego, sendo denominada dessa forma de narcisismo. Este o narcisismo secundário. Existe a ideia de uma libido original do ego, porém esse ego precisa ser desenvolvido e é inicialmente, como sabemos, um ego corporal, encontrando-se nessa fase num estado de auto-erotismo. Freud deixa claro que é preciso uma ação específica, a qual ele chama de nova ação psíquica, a fim de provocar o narcisismo. Este o narcisismo primário.

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Contratransferência (1960)

Autora: Sara Fagundes 
Formação em Psicoterapia Psicanalítica no Instituto de Ensino Horizontes 
Disciplina: Técnica Psicoterápica III 
Professora: Magda Martins Costa

Winnicott inicia o texto refletindo sobre voltar ao uso original da palavra contratransferência. Explica dizendo que a palavra self, por exemplo, expressa muito mais do que podemos expressar, mas a palavra contratransferência, para o autor, soa como artificial, que pode ser escravizada, correndo o risco de perder sua identidade.

No estudo de Winnicott “Hate in the Counter-Transference”, o autor diz que um uso da palavra contratransferência deveria ser para descrever anormalidades nos sentimentos, relacionamento e identificações estabelecidos na contratransferência, que estão sob repressão no analista e que, neste sentido, o analista precisaria de mais análise.

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O que são transtornos de aprendizagem?

Os transtornos de aprendizagem compreendem uma inabilidade específica, como de leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. O transtorno deve estar presente desde os primeiros anos de vida, o que pode ser evidenciado por um atraso no desenvolvimento da habilidade em questão. Os transtornos de aprendizagem são: Transtorno de leitura; Transtorno da matemática e Transtorno da expressão escrita. (Ohlweiler 2006)

Dislexia

A dislexia é um transtorno manifestado por dificuldade na aprendizagem da leitura, independentemente de instrução convencional, inteligência adequada e oportunidade sociocultural. Para ser levantado a hipótese de dislexia deve ser oportunizado várias formas de alfabetização e no mínimo 2 anos escolares. Seguem algumas observações a serem seguidas em um processo de investigação:

a) Leitura e escrita muitas vezes incompreensíveis;

b) Confusões de letras com diferentes orientações espaciais: p/q; b/d;

c) Confusão de letras com sons semelhantes: p/b; d/t; g/j;

d) Inversão de silabas ou palavras: par/pra; lata/alta;

e) Substituição de palavras com estrutura semelhantes: contribuiu/construiu;

f) Supressão ou adição de letras ou de silabas: caalo/cavalo; berla/bela;

g) Repetição de silabas ou palavras: eu jogo jogo bola; bolo de chococolate;

h) Fragmentação de palavras: querojo gar bolahoje;

i) Dificuldade para ler e entender o texto lido.

(Rotta, 2006)

Disgrafia

A disgrafia é uma dificuldade acentuada com a grafia das palavras, é ligada a parte motora do indivíduo. As principais queixas e observações a serem realizadas são:

1) Recusa-se a realizar temas e trabalhos escolares;

2) Estresse pessoal e familiar, principalmente na hora do estudo;

3) Cadernos incompletos, com rasuras, desenhos aleatórios, excesso de pressão no traçado;

4) Desatenção as solicitações do professor;

5) Queixas escolares frequentes;

6) Desorganização pessoal, roupas, mochila, quarto;

7) Omissão de datas para entrega de tarefas e provas escolares;

8) Letra ilegível;

9) Lentidão para copiar;

10) Repetência escolar.

(Leonhardt 2006)

Recriando a própria história

Por Sara Fagundes – Estagiária de Psicologia na Clinica Horizontes
Texto tirado do livro: Construindo vínculo entre pais e filhos adotivos, da autora Maria Salete Abrão

Nascemos todos em uma condição de absoluto desamparo. Diferentemente de outros mamíferos, que parecem já nascer “prontos”, inauguramos nossa presença fora do útero em situação de dependência total da mãe, da família, do grupo que nos cerca. Sem tal suporte, viveríamos sozinhos apenas algumas horas. Daí a excepcional importância, para o bebê, daqueles primeiros dias, semanas, meses, primeiros anos.

Trata-se de uma importância que se estende para muito além das necessidades físicas e biológicas. O seio materno supre muito mais que a fome e a sede. É o prazer mais primitivo do bebê, é seu vínculo inicial com o mundo, que ele não sabe ainda diferenciar de si próprio.

Para construir uma relação equilibrada com o mundo exterior e consigo próprio, esses momentos iniciais são decisivos. No entanto, basta dar uma olhada ao lado para verificar que muitos de nós não passamos bem por esse período. Não tivemos aquilo que o pediatra e psicanalista inglês, David W. Winnicott, chamava de “mãe suficientemente boa”.

No entanto, não culpemos a mãe. Ela já carrega culpas demais. Além disso, é bem possível que as mães que não foram “suficientemente boas” tenham sido também, elas próprias, geradas e criadas por mães que não foram “suficientemente boas” – estabelecendo-se assim um círculo vicioso, cuja origem remonta ao começo dos tempos.

O fato importante é que a filiação biológica não garante a formação dos vínculos estruturantes entre pais e filhos. Maternidade e paternidade biológicas podem ocorrer de modo fortuito, não intencional. Geram filhos, mas não produzem necessariamente pais e mães. A biologia não garante a parentalidade. Neste sentido amplo, filhos biológicos precisam também ser adotados. Que sejam a mãe e o pai que o conceberam. Ou que sejam pais e mães movidos por um desejo profundo se assumir esse papel.

Reflexões acerca da experiência em seminário clínico coletivo

Lisiane Storniolo Peres Formação em Psicoterapia Psicanalítica – Clínica Horizontes Disciplina: Seminário Clínico Supervisora: Josênia Heck Munhoz

“A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs” (Mia Couto – A infinita fiadeira em O Fio das missangas).

O ponto central para a escrita deste texto se deu a partir do meu reencontro com o conto A infinita fiadeira, de Mia Couto. Mas o que podemos ter em comum com esta aranha que não tecia suas teias como instinto, mas por arte?

Quando pensei no trabalho de encerramento do semestre, perpassei em pensamentos os textos lidos, aqueles que mais me geraram significados, mas faltava algo. Quando resolvi escrever sobre o seminário clínico parecia que este tema já esta ali, posto insistentemente mesmo antes de eu conseguir compreender a respeito, algo posto mesmo antes da categorização do pensamento, talvez, podemos pensar, como algo inscrito a partir de uma experiência.

A questão é: para que serve a leitura? Para Bierman, um dos impactos da leitura sobre o leitor se refere a ética, uma vez que ela implica o sujeito na escritura. Um texto

só produz sentido se o leitor apropria-se dele, quando a partir da mobilização de seus desejos pelos fragmentos do texto, é capaz de estampar sua interpretação e singularidade.

E como a leitura e o conto tecem e entrelaçam-se com nosso seminário?

Este semestre foi a primeira vez que acompanhamos apenas um caso clínico vendo sua evolução por quase três meses. O que gostaria, e espero que fique claro, é expor a percepção do nosso trabalho coletivo a partir da minha experiência.

Imagino que fazer a dialogada é como contar um sonho. Podemos fechar os olhos e rever a cena, suas palavras, suas expressões. Mas não importa o quanto tentamos descrever em palavras sempre se imprime um intervalo entre a experiência vivida em sessão e a representação que se tenta fazer dela ao produzir uma dialogada. Deste discurso organizado pelo terapeuta e dirigido ao supervisor e, no nosso caso, aos colegas também, causa um sentimento de estranheza. Durante a leitura das dialogadas, percebi algo estranho, um “estranho familiar”. Este Unheimlich, como nomeia Freud, onde o familiar causa estranhamento, uma produção que vai além do que a palavra pode nomear, talvez uma representação coisa?

Houve a sessão, houve a escrita da dialogada, houve a leitura, e houve este estranhamento. Não pela sessão dialogada ser comentada, mas pela sensação causada a partir da leitura. Muitas vezes me observei tentando explicar o que significavam para mim certas partes da escrita, pois as palavras não imprimem nosso sentimento, mas se suscitam no leitor/ouvinte um desejo, este interpreta e imprime suas impressões, podendo assumir o lado de qualquer personagem, ora empático, ora não.

Desta forma, propicia a todos pensar a partir da ótica do outro. Escreve-se e compõe-se uma história. A história escrita é do escritor, assim como o sonho do sonhador, mas a construção do saber permeia todos os envolvidos. O caso trabalhado no semestre, acredito eu, teve, e continua tendo, uma evolução que me emociona. Não apenas por sua evolução em si, mas por que durante os atendimentos sinto a marca de todos, que de uma forma ou de outra, auxiliaram na produção deste espaço potencial.

O espaço potencial, como diz Winnicott, é um espaço onde se produz um brincar criativo, nele abre-se a possibilidade de simbolismo. No nosso espaço de seminário, sinto que se abriu este espaço potencial, pudemos simbolizar, criar, modificar, interpretar e

resignificar não apenas as dialogadas relatadas, mas nossa forma de ver, de representar, de criar repertórios. Criou potencialidades a partir das trocas para o saber não sabido.

Embora a supervisão componha o tripé psicanalítico tendo a mesma importância dos outros dois, teoria e análise pessoal, acredito ser a que menos é estudada. A supervisão clínica coletiva é pouco trabalhada quanto sua produção cientifica e seus significados. Freud mencionou a importância da supervisão em seu texto “Sobre o ensino da psicanálise nas universidades”, de 1919. Neste texto ele aponta o tripé psicanalítico, onde diz que para conseguir dar continuidade nos tratamentos, deverá buscar supervisão e orientação de psicanalistas reconhecidos.

O afinamento da escuta, a observação e a construção da capacidade interpretativa se dão através das trocas e das significações. O olhar para o outro, a partir de um relato clínico, auxilia na compreensão do nosso papel, e qual nossa posição. É difícil, pelo menos no início, saber o que representamos para nossos pacientes, podemos assumir “as formas” de qualquer objeto, mas nunca podemos deixar de ocupar nosso lugar de terapeuta. Desta forma, a supervisão clínica permite e abre espaço para o terapeuta reconhecer seu ato, ou seja, como diz Hoffmann, é onde o sujeito autoriza-se terapeuta.

“Faço arte”, disse a aranha. E não é o que fazemos? Produzimos a arte do pensar, imaginar e modificar. Entrelaçamos as teias, a partir do tripé psicanalítico, e produzimos sentidos. O estudo constante segue o desejo do saber, um saber narcísico que só toma significado quando se constitui um “novo imaginário” e, desta forma, autoriza a apropriação deste saber.

Diziam que a aranha tecia suas teias e não lhes dava sentido. Mas a aranha sabia o sentido de suas teias, ela fazia arte. Mas a arte se expressa, assim como a leitura, no desejo de quem a vê. Às vezes, o sentido encontra-se ali, só precisamos afinar nosso olhar. Este seminário propiciou esta afinação. No final do conto a aranha é transmutada para humano onde também não tem sua arte reconhecida, no nosso caso, pudemos imprimir nossa marca e dar lugar ao terapeuta que nos habita.

REFERÊNCIAS

BIRMAN, J. Por uma estilística da existência. São Paulo: Ed. 34, 1996.

COUTO, M. O fio das missangas. São Paulo: Companhia das letras, 2009.