Considerações acerca do brincar no transtorno do espectro autista

Artigo de Letícia Moraes Sergio – Estagiária de Psicologia na Clínica Horizontes

O termo autismo, popularizado por Kanner na década de 1940, é comumente utilizado para se referir ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), transtorno descrito no DSM-V como uma deficiência significativa em algumas áreas do neurodesenvolvimento, sendo as mais comuns o déficit na construção da linguagem e na comunicação verbal e não-verbal, dificuldade no campo da interação social, estereotipias comportamentais (American Psychiatric Association, 2013). Esses sintomas estão presentes no sujeito desde a infância e são detectáveis a partir do primeiro ano de vida. Sendo assim, são bastante benéficas as intervenções realizadas antes dos 18 meses, a partir do diagnóstico precoce, pois permitem que possíveis déficits do desenvolvimento sejam prevenidos e/ou corrigidos.

Para o tratamento do TEA, após a detecção dos sintomas, são recomendadas intervenções específicas e técnicas adequadas para que se possa auxiliar a criança a se desenvolver da forma mais saudável possível. Nesse contexto, as intervenções multiprofissionais são as que demonstram melhores resultados visto que atenuam o desenvolvimento da sintomatologia, como as dificuldades de motricidade, linguagem, comportamentos sociais e cognitivos, ajudando o paciente a alcançar habilidades pertinentes ao seu desenvolvimento.

O brincar, segundo Winnicott (1971), é uma atividade que tem papel fundamental para o desenvolvimento infantil, pois, ao brincar, a criança reproduz o que lhe é internalizado, podendo assim elaborar a sua realidade.

Através da brincadeira, a criança projeta no mundo externo seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os por meio da ação, elaborando assim seus conflitos inconscientes. (LEITE, R. R.; ABRÃO, J. L. F, 2015)

No contexto do TEA, as brincadeiras são marcadas pela ausência de simbolização; em seu lugar, são praticadas ações que privilegiam uma autoestimulação (ou autoerotização) fechada em si própria. Outra peculiaridade no brincar autístico é a preferência por objetos rígidos que permitam catalogação ou uma manipulação mais mecanicista, como jogos de encaixe, cubos, carrinhos de brinquedo, peões, etc. Tais objetos são manipulados de forma repetitiva por longos períodos, em uma brincadeira aparentemente sem sentido (Marcelli,1998).

O solitário processo do brincar autístico sucinta incompreensão por parte da rede de cuidadores da criança – pais, familiares e educadores -, que, por não verem sentido nas ações repetitivas e estereotipadas, deixam de atribuir sentido a elas, deixando de significa-las. O fato de o ambiente não respaldar significação para as brincadeiras também contribui para uma brincadeira limitada, pobre e carente de imaginação.

REFERÊNCIAS

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