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Para além da Patologia: um olhar sobre a (re) constituição do sujeito a partir do acompanhamento terapêutico

Artigo escrito por: Waleska Pedruzzi

INTRODUÇÃO

O surgimento da modalidade de trabalho em acompanhamento terapêutico (AT) tem relação com alguns movimentos que ocorreram no campo da saúde mental, como a reforma psiquiátrica, que tem início no ano de 1980, até a promulgação da lei, que ocorre em abril de 2001. O trabalho do AT ocorre também em ambientes fora do setting terapêutico tradicional que conhecemos. É um trabalho que acontece na rua, na escola, na casa do paciente, em clínicas, dentre outros locais.

O presente ensaio tem por objetivo trazer aspectos teóricos acerca do acompanhamento terapêutico, abordando também sua especificidade. Com um viés psicanalítico, pode-se produzir a interlocução entre o aspecto teórico, e o prático do fazer AT, possibilitando assim, que haja uma costura sobre essa modalidade de trabalho.

O escrito apresentará também algumas ideias abordadas por autores como a Julieta Jerusalinsky, mais especificamente quando a autora aborda a sustentação do Outro no vínculo afetivo com o sujeito (2016). É possível também pensar sobre a ideia do luto dos pais pelo filho ideal, conceito trabalhado e pensado por Meira (2008).  

Frente a essas pequenas anunciações, pode-se pensar sobre a relação íntima que o AT arma com o sujeito, e por certo, debruçar-se sobre essa clínica do enlace, dos encontros, e das possibilidades.

DESENVOLVIMENTO

Inicialmente, pode-se pensar e questionar-se sobre “O que é o acompanhamento terapêutico?”. Esse pergunta, antes da resposta, deve ser sempre o norte do profissional que opta por trabalhar com essa modalidade, pois o AT se dá na clínica do dinamismo.

Uma das definições que mais faz sentido para a clínica do AT, segundo pesquisas, é retirado do livro “A clínica peripatética”, do Lancetti (2016). Neste livro, depara-se justamente com o termo peripatético, e nele concebe-se a ideia de que as conversações e diálogos produzidos no ato de caminhar gera um movimento não somente físico, mas também psíquico.

Tratando-se do acompanhamento terapêutico como uma clínica do movimento, pode-se fazer a associação com o peripatético, pois é através do movimento mútuo entre acompanhante e acompanhado que torna-se possível laço tão profundo e próspero para o desenvolvimento do paciente.

Se antes a pergunta era “o que é?”, agora a pergunta é “porque?”. A ideia inicial dessa modalidade era de poder ressocializar pacientes que estavam submetidos a internações. Esse movimento era feito para poder integrar novamente o paciente a sociedade, e desta forma, os profissionais de distintas áreas passavam a circular pouco a pouco pelas ruas com esses pacientes.  

O movimento de AT tem ligação direta com o período da reforma psiquiatra, sendo conhecido como um trabalho que tem por excelência humanizar o trato com pacientes regressivos. É neste momento que este trabalho ganha força e destaque, fazendo seu registro tanto profissional, quanto simbólico na clínica do acompanhamento.

Lancetti (2016) afirma ser notória a diferença entre os pacientes que estavam enclausurados em manicômios, com aqueles que podiam efetivamente realizar saídas esporádicas. Pode-se pensar na ideia do acompanhante como o Outro que faz sustentação no laço com o paciente.

Passando pelas definições, é chegado o momento de pensar sobre as funções do AT. Para os autores Mauer e Resnizky (2008), as funções do acompanhante seriam o ato de conter o paciente; oferecer-se como modelo de identificação; ajudar a reinvestir; contribuir com um olhar ampliado do mundo objetivo do paciente; habilitar um espaço para pensar; orientar no espaço social e intervir na trama familiar.

Refletindo sobre os conceitos de definições trazidos pelos referidos autores, deve-se pensar sobre cada uma dessas funções, aproximando-se da realidade com a qual lida-se diariamente na clínica do AT.

Quando se fala do ato de conter, torna-se necessária ter a ideia de que a contenção se dá de diversas formas, podendo ser feita de forma física, medicamentosa ou pela própria sustentação da palavra; No que abrange colocar-se como modelo de identificação, refere-se a fato de que o acompanhado também espelha-se nos modelos ofertados pelo acompanhante, internalizando comportamentos mais saudáveis.

 Quanto a ajudar a reinvestir, pode-se inclusive pensar no termo de narcisismo trabalhado por Freud, quando este fala sobre o investimento que a figura de cuidado deve ter sobre o bebê (1914). Nem sempre as figuras parentais e/ou responsáveis conseguem sustentar esse olhar, e a figura do AT pode ser importante para que se tente retomar esse vínculo, dando conta dá sustentação desse laço.

  Falando em ter um olhar ampliado sobre mundo do paciente, refere-se principalmente a pacientes que por ventura tenham funcionamento regressivo, e que justamente o acompanhante- como o próprio nome sugere- acompanha o sujeito no seu mundo, possibilitando esse encontro no (des) encontro com o outro.

 Habilitar um espaço para pensar é um dos pontos chaves do acompanhamento, assim como orientar no espaço social. São essas duas funções que ancoram o tratamento, possibilitando ao paciente conhecimento sobre si mesmo, e sua forma de circular pelos espaços sociais.

 Intervir na trama familiar é um fator que ocorre com muita frequência no cotidiano do profissional que opta por exercer esse trabalho. Isso ocorre porque, na maior parte das vezes, faz-se acompanhamento com pacientes que tenham um funcionamento mais regressivo, com crianças, e dentro das modalidades do AT, inclusive acompanhar o sujeito a domicílio.

Como o nome do próprio ensaio sugere, deve-se pesar sobre a ideia de constituição do sujeito quando abordado o trabalho de acompanhamento terapêutico. Em algumas situações, é o acompanhante que faz esse investimento.

É válido ressaltar o que a Jerusalinsky (2016) fala quanto a ideia de que o trabalho enquanto AT tem um sentido de adequação do paciente ao meio. A autora retoma que a adequação pode estar atrelado a uma ideia de corresponder a um ideal de cultura, e nisso, pode-se cometer o equívoco de causar um apagamento do sujeito, tornando assim, uma pessoa adaptada ao meio.

Atendo-se um pouco mais as saídas, entenda-se que o AT intervém com a intenção de que a criança possa começar a estabelecer a borda que a separa dos espaços sociais, podendo assim implicá-la, na medida do possível, dentro das normas da sociedade. Essa prática não deve ser vista como uma simples adaptação normativa imposta sobre o sujeito, mas deve ser entendida como prática que convoca o sujeito para uma inscrição simbólica sobre ele. Sendo assim, existe a possibilidade de que o paciente se coloque de forma a desejar o laço social e não fique submetido a um imperativo da sociedade (JERUSALINSKY, 2016).

Pires (2016) afirma que deve-se atentar ao que pode ocorrer com o filho que encontra-se nessa posição, lugar de quem não está inscrito na ordem fálica, e acaba ocupando o lugar que a ele é atribuído, o sujeito que não personifica o ideal do eu.

A autora Meira (2008) também dedicou-se a pensar sobre essa relação e vinculação, atentando para o fato de que a falha dos pais se dá na impossibilidade de encontrar no filho deficiente ou com transtorno e sua própria realização. O filho que era esperado por eles, não nasceu.

De forma comum, todos os autores trazem a importância de poder sempre pensar no sujeito com o seu desejo. Toda e qualquer intervenção a ser feita, deve ser baseando-se no que quer o paciente, podendo dar voz a sua singularidade e subjetividade.

CONCLUSÃO

A partir do trabalho do acompanhamento terapêutico, torna-se possível que o sujeito e a sua família possam ganhar um novo olhar. Olhar este que ressignifica e fortalece o vínculo que possuem.

Uma das particularidades do trabalho como AT, é poder acompanhar o sujeito no seu mundo. É de grande importância que, ao optar por trabalhar nessa área, o profissional esteja disponível tanto fisicamente como internamente, para poder fazer parte do mundo do outro, e também emprestar o seu mundo a ele.

O AT desempenha um papel de suma importância, pois é ele quem se dispõe a olhar o sujeito na sua singularidade, podendo fazer parte do seu mundo interno, apresentando-lhe também possibilidade de integrar o mundo externo de forma saudável e sustentável, sempre pensando no desejo do sujeito em ser inserido em ambientes distintos.

O exercício de AT versa sobre perpassar os muros institucionais, explorando outros ambientes. É uma prática que se volta para a ressocialização do sujeito, ajudando-o na sua reinserção.

Entre o desamparo e as ruas da cidade, o acompanhante e acompanhado fazem laço de sustentação e amparo, há nisso a possibilidade de perder-se e encontrar-se no outro. Cabe ressaltar que o cerne do trabalho como acompanhante terapêutico, é justamente poder observar o que o título desse artigo sugere: para além da patologia.

Referências

JERUSALINSKY, J. A especificidade do Acompanhamento Terapêutico: travessias e travessuras. In: ______. Cap. 2. Porto Alegre: Álgama, 2016.

JERUSALINSKY, J. Travessias e Travessuras no acompanhamento terapêutico. Porto Alegre: Ágalma, 2016.

KISIL, A. I. Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico. Cap. 6. Porto Alegre: Álgama, 2016. O acompanhante terapêutico como assistente de pesquisa.

L. A.    Clínica Peripatética. Cap. 1. São Paulo: Hucitec Editora 2016.

MAUER K. S.; RESNIZAKY S. Abordagens múltiplas. O lugar do acompanhante terapêutico. In: Acompanhantes Terapêuticos – atualização teórico clínica. Cap. 2. Buenos Aires: Letra Viva, 2008.

MAUER, K. S.; RESNIZKY S. Acompanhantes terapêuticos- atualização teórico-clínica. Buenos Aires: Letra Viva, 2008.

MEIRA, A. M. G. Quando o ideal falha. In: Escritos da criança nº4. Cap. 11. Porto Alegre: LidyaCoriat, 2008.

PIRES, L.M. Acompanhamento terapêutico em um caso de síndrome genética: do controle da voracidade ao apetite do sujeito. In: Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico. Cap. 9. Porto Alegre: Álgama, 2016.

Projeto Intervenções em Sala de Espera “Vínculos: Memórias e Familiar (idades)”

*Mariana Ziani de Tolla –
Graduanda de Psicologia Centro Universitário FADERGS

*Cristiane Figueiró Klovan –
Graduanda de Psicologia Centro Universitário Fadergs

O projeto aqui apresentado foi desenvolvido para a disciplina de Estágio Básico em Processos Psicossociais e Promoção da Saúde do Centro Universitário FADERGS e realizado na Clínica Horizontes. Após realizarmos observações na sala de espera da Clínica Horizontes desenvolvemos um projeto piloto com o objetivo de criar um espaço de escuta e compartilhamento grupal com os familiares dos pacientes que estão sendo atendidos durante o tempo que aguardam na sala de espera da clínica. A participação visa o fortalecimento de vínculos e o estabelecimento de uma relação compromissada entre equipe, usuário e família. Alinhados com o embasamento da intervenção em psicologia comunitária acreditamos que ao possibilitar espaços de escuta, reflexão e de práticas conjuntas aos familiares dos públicos atendidos contribuímos para a construção de uma identidade coletiva e individual. A equipe se torna mais sensível para a escuta e pontos de vulnerabilidade, o vínculo ao serviço entra como um recurso para vencer as resistências familiares, além de consolidar possibilidades de aceitação das individualidades de usuários e famílias (SCHRANK; OLSCHOWSKY, 2008).

Através de uma abordagem acolhedora e sensível, as coordenadoras da atividade convidam os familiares que aguardam na sala de espera para participarem de uma atividade no auditório da instituição, sempre ressaltando que a participação é voluntária. Segundo Carlos (2013) o grupo não é uma garantia de engajamento, mas é sempre uma possibilidade para que as pessoas elaborem, pensem e trabalhem as relações. Essa também é a nossa intenção, nosso objetivo. Para o mesmo autor o trabalho do profissional que trabalha com grupos é auxiliar que as pessoas envolvidas na experiência pensem o processo que estão vivenciando, não individualmente, mas coletivamente. Através da nossa experiência de estágio e também das observações realizadas os familiares que procuram ajuda e suporte dos serviços de saúde mental apresentam demandas das mais variadas ordens, dentre elas, situações de crise com conflitos familiares, dificuldades emocionais e materiais, culpa, isolamento social e tantas outras situações que constituem pontos de vulnerabilidade.

Ademais, destacamos, de acordo com Schrank e Olschowsky (2008) que a equipe de saúde mental deve estar atenta e comprometida com a dificuldade ou complexidade no cuidado da família e dos usuários dos serviços de saúde, buscando sempre construir dispositivos de apoio e mecanismos que facilitem a participação e a integração da família.

Essa foi nossa intencionalidade ao trabalhar com os grupos que aguardavam na sala de espera os seus familiares serem atendidos. Nossas intervenções, durante o segundo semestre de 2018, foram desenvolvidas através de rodas de conversas que tinham como tema “Vínculos: Memórias e Familiar(idades)”, tendo como atividade disparadora das reflexões o poema “Resíduo” de Carlos Drummond de Andrade que suscitava diferentes lembranças, memórias e reflexões nos participantes do grupo. Ao final da roda de conversas e de exporem suas lembranças, se assim desejassem, eram convidados a também deixarem registrado em forma de um trabalho (desenhos, recortes, colagens, frases, poemas…) um “resíduo” da sua participação na oficina, que posteriormente foram afixados na sala de espera da instituição. Uma forma inovadora e acolhedora de trabalhar a integração e a humanização dos espaços e dos tempos de espera na área da saúde.

Referências

CARLOS, Sérgio Antônio. Psicologia social e comunidade. In: Jaques et al. Psicologia social contemporânea. Porto Alegre: Vozes, 2013.

SCHRANK, Guisela; OLSCHOWSKY, Agnes. O centro de Atenção Psicossocial e as estratégias para inserção da família. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v42n1/17.pdf Acesso em 31 ago. 2018

Abordagem Psicodinâmica na Adolescência

Por Luciano Martini – Estagiário de Psicologia na Clínica Horizontes

A Adolescência é um período turbulento dentro da história de cada indivíduo. Embora algumas características deste período do desenvolvimento humano sejam comuns e mantenham-se inalteradas, o contexto sociocultural apresenta modificações e predicados próprios de nossa época. Segundo Eizirik (2015), a adolescência compreende um período humano crucial e complexo, com características e significados únicos. Sua definição e compreensão vêm evoluindo e se modificando através da história da psicanálise, constituindo, ao longo dos anos, um vasto corpo teórico e técnico.

Para Aberastury (1981) este é um período confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções com o meio familiar e social. Para a autora as mudanças psicológicas que se produzem neste período, e que são a correlação de mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo, isso é possível quando se elabora lenta e dolorosamente, o luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com os pais da infância.

Ainda segundo esta autora, todas estas mudanças, nas quais sua identidade de criança foi sendo perdida, resultam necessariamente em uma busca de uma nova identidade, que vai se constituindo num plano inconsciente e consciente. O adolescente não quer ser como determinados adultos, mas em troca, escolhe outros como referência.

Esta busca por identidade força o adolescente a diferenciar-se de sua família, e conforme Zimerman (2004), as forças em conflito (amorosas, agressivas, eróticas, narcisistas, de dependência e de independência), podem ser tão intensas que, com frequência, o adolescente se volta violentamente contra seus pais, ou também contra a sociedade.

Macedo (2012) ainda acrescenta que esta fase do ciclo vital carrega em si questões psíquicas, biológicas e culturais, pois demarca a necessidade do indivíduo em se desvincular dos pais e entrar, então, na comunidade social. Por esta razão o adolescente sente necessidade de pertencer a grupos, busca encontrar e formar a sua “turma”.

Segundo Zimerman (2004), a “turma” propicia a formação de uma nova identidade, intermediária entre a família e a sociedade, com a elevação e o exercício de novos papéis. Da mesma forma, a turma cria um novo modelo de superego ou de ideais do ego, abandonando por ora os valores e ideais propostos pelos pais, quer seja por não conseguirem ou não quererem desempenharem tais ideais.

O adolescente convive com uma sensação de confusão em relação ao seu sentimento de identidade, tanto no nível individual, social e sexual. Assim sendo, Macedo (2012) ressalta que as modificações físicas trazidas pela puberdade impulsionam as transformações psíquicas, desta forma, em meio a um turbilhão de desejos, sentimentos e medos, os jovens fazem uma profunda revisão de seu mundo interno e experiências infantis buscando dar conta das transformações físicas da puberdade e da demanda de trabalho psíquico que invade seu território.

Quando falamos em crise adolescente não estamos necessariamente referindo-nos a algo ruim, nocivo, mas sim a um conjunto de vivências impregnadas de incertezas e dificuldades, que fazem desta fase da vida um momento importante e decisivo. As crises fazem parte da vida e são elas que podem nos fazer crescer. A crise da adolescência é mais uma das crises vitais, que promove o autoconhecimento e o crescimento, por gerar movimentos de transformação e possibilitar o acesso a diferentes condições psíquicas. (MACEDO, 2012).

Em razão destas considerações referentes as características peculiares deste período do desenvolvimento humano, descrito como um importante ciclo vital, o adolescente pode necessitar de um espaço, como a psicoterapia, de elaboração das questões relativas à adolescência.

Com isso, o trabalho psicoterápico com adolescentes tem por objetivo possibilitar, por meio da revivência de situações passadas, condições para um trabalho de reestruturação psíquica, ou seja, a reconquista da estabilidade do ego e a reorganização das pulsões, acomodando tanto as modificações físicas quanto as psíquicas numa nova configuração identitária (MACEDO, 2012).

Há de se ressaltar a importância da construção de um vínculo terapêutico para o sucesso no tratamento de pacientes nesta fase do desenvolvimento humano. Para Eizirik (2015) quanto melhor a qualidade dessa aliança, melhores serão os resultados. Podendo a aliança ser entendida com uma “união de forças” do paciente, do terapeuta e do enquadre, ou seja, o paciente colabora estabelecendo um vínculo relativamente racional, a partir de seus componentes instintivos neutralizados, vínculos do passado que agora surgem na relação com o terapeuta. Este contribui por seu constante empenho em tentar entender e superar a resistência, com sua empatia e atitude de aceitar o paciente sem julgá-lo ou dominá-lo, com isso, pode-se afirmar que a Aliança Terapêutica é remetida às primeiras relações de objeto da criança com seus pais, em especial com a mãe. Castro (2009) afirma que a aliança tende a evoluir com o passar do tempo, baseada na crescente ligação positiva com o terapeuta e na percepção (consciente) da necessidade de ajuda.

Sobre as técnicas a serem utilizadas em uma psicoterapia com abordagem psicodinâmica com um adolescente, Zimerman (2004) confirma que são as mesmas regras técnicas utilizadas na terapia com adultos, como livre associação de ideias, abstinência, atenção flutuante, neutralidade amor às verdades se mantem, porém cabe sinalizar que os adolescentes são sobremaneira suscetíveis às decepções e a colocação de freios exagerados a suas aspirações. Por isso, deverá haver o cuidado para não esterilizar a espontaneidade e a criatividade do adolescente, e perceber a distinção entre uma agressividade “sadia” e uma agressividade “destrutiva”.

Caberá ao terapeuta, por meio de sua capacidade negativa, continência e capacidade de rêverie, transformar a experiencia transmitida pela ação comunicativa em simbolização (BION, 1962). Em outras palavras, o terapeuta terá que desenvolver sua tolerância com incertezas, momentos de incompreensão, ambiguidades e paradoxos (MELTZER, 1978).

Por tudo isto, Zimerman (2004) afirma que é imprescindível que o analista de adolescente possua uma boa capacidade de continente, para que possa receber e conter as variadas cargas de projeções do paciente, ora de seu lado amoroso e construtivo ora do lado com um ódio destrutivo; de euforia ou depressão; de certezas e duvidas; gratidão e desespero; de erotismo ou repulsa; emotividade ou excessiva intelectualização; submissão ou rebeldia.

Quanto aos objetivos da psicoterapia com adolescentes, Kupermann (2007), a partir das contribuições de Winnicott, defende que o final do atendimento pode acontecer quando o adolescente adquire a “capacidade de estar só”. Deve, assim, ter autonomia em relação aos pais, percorrendo o caminho rumo à independência, com possibilidade de estar sozinho, mas sem uma vivência de abandono.

Patologização da infância e adolescência

Beatriz Janin é nossa convidada especial na Jornada “Sofrimento Psíquico na Infância e Adolescência. Janin é Psicóloga e Psicanalista Argentina. Presidente do Fórum Infâncias, Associação Civil contra a medicalização e patologização da infância. Tema que perpassa por seus estudos e livros.

Uma das críticas realizada por Janin é a realização de diagnósticos indiscriminados e precoces na infância. Ressalta que o sofrimento costuma ser desmentido na sociedade atual, na qual o que parece interessar é o rendimento. Passamos a ser robôs a serviço dos interesses de uma minoria, nos apresentamos como peças de uma maquinaria que nos desconhece como sujeitos desejantes e pensantes. Esquecemos que as crianças e adolescentes são sujeitos em vias de transformações.

Não levando-se em conta que a infância e a adolescência são épocas de desenvolvimento, de transformação, em que os outros ocupam um lugar fundamental. Desta forma, sempre é possível apostar e investir na mudança.

“Infâncias e adolescências diagnosticadas na base de testes, protocolos e questionários padronizados, nos quais não se leva em conta suas particularidades. Infâncias e adolescências que caem alterados e que não são reconhecidos em sua singularidade nem em suas múltiplas possibilidades”. Muitas vezes são patologizados sem serem escutados. Precisamos mudar nosso olhar.

Quais são os métodos de avaliação que estão sendo utilizados? Muitas vezes, ao invés de se observar o contexto, o tipo de vínculo predominante e o modo que a criança está se desenvolvendo, se dá rapidamente um título para o que está passando, considerando apenas o manifesto. O que pode nos levar a diagnósticos de acordo com a especialidade do profissional consultado.

Janin ressalta que nossa tarefa como terapeutas é defender a subjetividade contra os ataques dessubjetivantes e maquinizantes do ser humano. Com as crianças e adolescentes levanta uma questão ética: a de sustentar um olhar que os localize como sujeitos desejantes, com história e com um futuro aberto.Temos que pensar que o olhar que a criança recebe é estruturante de seu ser. Se sente que é olhado como um “transtorno”, cairá efetivamente “transtornado”.

“Frente a isto, é muito importante implementar intervenções que possibilitem a constituição da subjetividade e devolver um olhar que reinstale o tempo da infância como um tempo de transformações”. 

A constituição do psiquismo – experiência de satisfação

Artigo escrito pela Psicóloga Lisiane Storniolo

Uma das questões básicas, desenvolvida por Freud (1895), para a constituição do aparelho psíquico é a “experiência de satisfação”. O ser humano é o único animal que precisa do outro para se desenvolver, ao que Freud denominou de “ação específica”. O bebê é acometido por tensões advindas do corpo endógeno, e para obter alivio desta tensão, deste desprazer, precisa que uma outra pessoa execute uma “ação especifica”. O encontro do bebê com quem lhe permite obter a descarga das tensões é o que Freud denomina como “experiência de satisfação”.

Para Freud, este encontro é um dos mais importantes. A descarga desta energia investe um conjunto de neurônios correspondendo à percepção do objeto que proporcionou a satisfação, estabelecendo uma facilitação. Adquirindo, também, a importante função secundária da comunicação.

Quando este estado de necessidade do bebê se repetir, irrompe um impulso psíquico que vai tentar reinvestir a imagem mnênica da primeira experiência de satisfação, como forma de tentar reproduzir esta satisfação original sem a presença do outro. E assim, começa a ser definido a noção de desejo. A reativação da imagem produz uma percepção alucinatória do outro. Esta alucinação primitiva será o que constitui o inicio da simbolização, origem do processo de pensamento.

Portanto, quem cumpre esta ação específica será o responsável por inscrever representações inicialmente via corpo do bebê, que irão conter seus próprios desejos inconscientes em relação a esta criança.

Sendo a origem da representação alucinatória constituída pelo representante pulsional de quem exerce a ação específica que irá originar outras representações, o bebê precisará absorver e significar estes estímulos sensoriais vindos do exterior. Este processo de transformação realizado pelo bebê é a base fundante para a singularidade e diversidade de respostas a um mesmo estímulo vindo do exterior.

A experiência de satisfação é responsável por inscrever marcas mnêmicas e instaurar o desejo. O desejo teria como finalidade reinvestir a imagem mnêmica produzida pela primeira experiência de satisfação. E é a partir da constituição deste desejo que o sujeito terá a oportunidade de constituir-se como um sujeito pensante.

Referência:

FREUD, S. (1985). Projeto para uma psicologia científica. In: Obras completas de Sigmund Freud: edição Standard brasileira. Rio de Janeiro: imago, 1996.

FREUD, S. (1900). Interpretação dos sonhos, volume 2. Porto alegre: L&PM, 2014.

Considerações acerca do brincar no transtorno do espectro autista

Artigo de Letícia Moraes Sergio – Estagiária de Psicologia na Clínica Horizontes

O termo autismo, popularizado por Kanner na década de 1940, é comumente utilizado para se referir ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), transtorno descrito no DSM-V como uma deficiência significativa em algumas áreas do neurodesenvolvimento, sendo as mais comuns o déficit na construção da linguagem e na comunicação verbal e não-verbal, dificuldade no campo da interação social, estereotipias comportamentais (American Psychiatric Association, 2013). Esses sintomas estão presentes no sujeito desde a infância e são detectáveis a partir do primeiro ano de vida. Sendo assim, são bastante benéficas as intervenções realizadas antes dos 18 meses, a partir do diagnóstico precoce, pois permitem que possíveis déficits do desenvolvimento sejam prevenidos e/ou corrigidos.

Para o tratamento do TEA, após a detecção dos sintomas, são recomendadas intervenções específicas e técnicas adequadas para que se possa auxiliar a criança a se desenvolver da forma mais saudável possível. Nesse contexto, as intervenções multiprofissionais são as que demonstram melhores resultados visto que atenuam o desenvolvimento da sintomatologia, como as dificuldades de motricidade, linguagem, comportamentos sociais e cognitivos, ajudando o paciente a alcançar habilidades pertinentes ao seu desenvolvimento.

O brincar, segundo Winnicott (1971), é uma atividade que tem papel fundamental para o desenvolvimento infantil, pois, ao brincar, a criança reproduz o que lhe é internalizado, podendo assim elaborar a sua realidade.

Através da brincadeira, a criança projeta no mundo externo seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os por meio da ação, elaborando assim seus conflitos inconscientes. (LEITE, R. R.; ABRÃO, J. L. F, 2015)

No contexto do TEA, as brincadeiras são marcadas pela ausência de simbolização; em seu lugar, são praticadas ações que privilegiam uma autoestimulação (ou autoerotização) fechada em si própria. Outra peculiaridade no brincar autístico é a preferência por objetos rígidos que permitam catalogação ou uma manipulação mais mecanicista, como jogos de encaixe, cubos, carrinhos de brinquedo, peões, etc. Tais objetos são manipulados de forma repetitiva por longos períodos, em uma brincadeira aparentemente sem sentido (Marcelli,1998).

O solitário processo do brincar autístico sucinta incompreensão por parte da rede de cuidadores da criança – pais, familiares e educadores -, que, por não verem sentido nas ações repetitivas e estereotipadas, deixam de atribuir sentido a elas, deixando de significa-las. O fato de o ambiente não respaldar significação para as brincadeiras também contribui para uma brincadeira limitada, pobre e carente de imaginação.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders – DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.

ABRÃO, J. LEITE, R. (2015) O brincar nos transtornos do espectro do autismo: Estratégias para o desenvolvimento cognitivo e emocional. 8º Congresso de Extensão Universitária da UNESP

ALMEIDA, M. T. P., CIPRIANO, M. S.M. S. (2016). O brincar como intervenção no transtorno do espectro do autismo, Extensão em Ação, Fortaleza, v.2, n.11, Jul./Out. 2016. Edição especial.

ARAUJO, Conceição A. Serralha de. A perspectiva winnicottiana sobre o autismo no caso de Vitor. Psyche (Sao Paulo), São Paulo

ARAUJO, Conceição A. Serralha de. Winnicott e a etiologia do autismo: Considerações acerca da condição emocional da mãe. Estilos clin., São Paulo , v. 8, n. 14, p. 146-163, jun. 2003

ASSUPÇÃO, F., PIMENTEL, A., (2000). Autismo infantil Rev Bras Psiquiatr 2000;22(Supl I):37-9

BAGAROLLO, M. F. (2005). A Ressignificação do Brincar das Crianças Autistas. Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Piracicaba, São Paulo.

BAGAROLLO, Maria Fernanda; RIBEIRO, Vanessa Veis; PANHOCA, Ivone. O brincar de uma criança autista sob a ótica da perspectiva histórico-cultural

BIALER, M. Espelhos no autismo: alicerces para a criação de um estofo imaginário. Estilos da Clínica, v. 19, n. 2, p. 294-308, 21 ago. 2014.

BELO, Fábio e SCODELER, Kátia.A importância do brincar em Winnicott e Schiller. Tempo psicanal. [online]. 2013, vol.45, n.1, pp. 91-101. ISSN 0101-4838.

CEZAR, P. , SMEHA, L. (2011) A vivência da maternidade de mães de crianças com autismo Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 1, p. 43-50

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GEISSMANN, C. & GEISSMANN, P. (1993). A criança e sua psicose. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.

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IALER, Marina. Algumas estratégias de (auto) tratamento do autista. Estilos clin., São Paulo , v. 19, n. 1, p. 150-162, abr. 2014

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O tempo de telas afeta o atraso do desenvolvimento de crianças pequenas? Sim!


Matéria escrita pelo Pediatra Dr. Renato Coelho – Presidente do Comitê de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e integrante da equipe da Clínica Horizontes(baseada no artigo publicado pela Medscape).

Este tema tem preocupado a todos que atendem crianças tanto na clínica quanto nas escolas em geral. Assim como os pais e adultos que conviveram ou viveram numa condição, onde isto não era tão intenso e com tanta diversidade de telas e facilidade de acesso.

E os jovens pais, que já cresceram num ambiente eletrônico em plena fase de expansão, não parecem estar refletindo sobre o impacto deste tempo aumentado de exposição às telas pode causar. Parece que quanto mais precoce a criança saber manusear e navegar neste ambiente eletrônico e de mídias sociais, saber usar estes recursos precocemente a tornaria mais esperta.

Mas, e os efeitos negativos quais seriam? O primeiro efeito é tirar o tempo das outras coisas de um dia, que tem o tempo limitado das 24 h. Tempo este dedicado para as necessidades fisiológicas como dormir, comer e se relacionar com ou outras pessoas de forma interativa ao vivo, real e concreta. Assim como as outras atividades educativas, recreativas e esportivas.

Sem parecer retrógrado e negar os avanços tecnológicos e necessários da vida moderna o ato de pensar e refletir sobre ela é necessário.

No contexto clínico os atrasos do desenvolvimento chegam a 1 criança a cada 4 até o início da vida escolar regular, trazendo dificuldades de aprendizagem e escolares em geral.

Aproximadamente 98% das crianças norte-americanas de até 8 anos vivem num casa conectada com internet e passam 2 horas ou mais por dia nas telas.

Usar as evidências científicas auxilia nesta reflexão, uma vez que os fatos constatados sustentam de forma mais sólida um parecer de orientação.

Recente estudo, publicado na respeitada revista JAMA Pediatrics em Janeiro/2019, realizado por Sheri Madigan, Phd pesquisador da Universidade de Calgary,  Canada.

Foi um estudo de coorte longitudinal que recrutou mulheres grávidas e seus bebês após nascerem, entre 2008 e 2010, e os acompanhou por 5 anos. Foram 2441 parelhas de mães-bebês. Os bebês foram avaliados aos 24, 36 e 60 meses de idade, usando-se um instrumento (Ages and Stages Questionary-3) para avaliar o desenvolvimento deles nestas etapas de idade.

As crianças que passam mais tempo nas mídias sociais e nas telas aos 2 e 3 anos de idade tem piores resultados nos testes de triagem de desenvolvimento aos 3-6 anos de idade.

Os resultados confirmam a ligação entre maior tempo de tela e um pobre resultado no desenvolvimento. E outra informação que constataram foi que a queda nos resultados foi precedida pelo excessivo tempo de tela, excluindo uma hipótese de que crianças com atraso teriam mais horas de tela como forma de controlar o comportamento delas.

Há que se tomar medidas educativas do uso consciente destes recursos tecnológicos sob pena de comprometer uma geração de crianças com falhas e atrasos que se somam com o tempo, causando um custo adicional nos recursos de auxílio terapêutico familiar e público. Chegando na vida escolar da graduação com falhas pedagógicas graves e com dificuldades de interação social.

As diversas faces do Desejo nos Tratamentos de Reprodução Assistida

Artigo escrito pelas psicanalistas Katya de Azevedo Araújo, Mara Horta Barbosa, Maria Isabel Pacheco, Patrícia Mazerom e Renata Viola Vives

Na busca pela Reprodução Assistida vemos, por vezes, pacientes recorrendo à tecnologia de forma quase irracional, chegando a dispor, para isso, não só de todo o montante de seus bens materiais, mas também da integridade física do próprio corpo.

Joana tem 44 anos. Fez quatro fertilizações in vitro, com doação de sêmen, porque desejava ser mãe. Não obteve sucesso. Estava encaminhando-se para o quinto procedimento, quando foi internada às pressas. Estava com colesterol altíssimo, com problemas renais e no fígado devido à sobrecarga de medicamentos. Entrou em coma. Quase morreu, porém relata que em nenhum momento deu-se conta da gravidade da situação, pois só tinha em mente “ser mãe”. Atualmente, em parte recuperada dos problemas de saúde, pensa em adotar uma criança para alcançar seu objetivo.

Para Maldavsky (2000) o corpo é uma unidade complexa, sendo possível precisar sua função e sua eficácia na constituição, desenvolvimento e atividade da vida anímica e nos processos subjetivos. Em primeiro lugar, o corpo tem valor de fonte química da pulsão e também de objeto da mesma; também funciona como estrutura que processa as excitações das fontes pulsionais. Essa estrutura carrega um saber filogenético, que é inerente à espécie e que predetermina certas orientações universais na vida psíquica. Por último, o corpo é o lugar de diversas ações com as quais se pretende tramitar as exigências endógenas. O corpo também pode sofrer alterações como consequências dos conflitos, sobretudo as somatizações.

É na superfície corpórea e por suas sensações de prazer e desprazer, que Freud (1905) definiu as zonas erógenas, sendo que a constituição de uma zona erógena requer processos projetivos e de excitações periféricas.

Para Maldavsky (2000) as erogeneidades oral, anal e uretral são ordenadoras de um conjunto vasto de outras sensualidades, sensorialidades e motricidades de caráter ativo ou passivo. A tudo isso se agrega a erogeneidade fálica, possivelmente a única não acoplada a autoconservação. Por fim, também se juntará a isso uma erogeneidade genital, que implica um desempenho na conservação da espécie.

A pulsão de conservação da espécie, que se liga com a erogeneidade fálico-genital, quando sobrevêm as mudanças da puberdade, pode estar a serviço de neutralizar a pulsão de morte. Ela predetermina o valor de cada erogeneidade no marco da reprodução e reúne em torno da autoconservação e da sexualidade um saber filogenético. Essa pulsão pode entrar em luta com alguma pulsão parcial, bem como pode entrar em conflito com a pulsão de autoconservação, quando a procriação resulta numa ameaça direta ou indireta à própria vida. Sobretudo, a pulsão de conservação da espécie se opõe a pulsão de morte, onde já não se trata de preservar uma vida singular e sim de preservar a espécie, da qual cada corpo é um representante.

Lembremos também que para o mesmo autor a libido pode ficar fixada a uma fase inicial do desenvolvimento e, portanto, investir duramente os órgãos internos, criando processos tóxicos.

A substituição do princípio do prazer-desprazer pelo do masoquismo como orientador da sexualidade leva a uma estase da pulsão, seja da sexualidade ou da autoconservação, ou ambas ao mesmo tempo. A estase é entendida como a impossibilidade de tramitação psíquica, sobretudo orgânica, para uma erogeneidade dada. Se a estase afeta o narcisismo, de acordo com Freud, podem dar-se manifestações hipocondríacas; se, diz respeito à libido objetal, surgem sintomas de neurose atual. A questão que se apresenta é que essas experiências podem ou não ser reprocessadas psiquicamente e podem ter um caráter transitório ou duradouro. Por vezes irão surgir estados de angústia automática, atribuídas ao desvalimento psíquico ante a pulsão sexual.

Maldavsky (1994), quando propõe as “patologias do desvalimento”, coloca que essas pessoas carecem de uma vida fantasmática, e que essa carência simbólica se traduz por uma falha no registro dos afetos e conseqüentemente o empobrecimento da subjetividade. A raiz disso, ainda segundo o autor, seriam falhas estruturais ocorridas nos primórdios da vida do sujeito, onde sua economia pulsional está voltada para manter o equilíbrio das funções orgânicas basais (temperatura corporal, freqüência cardíaca, freqüência respiratória, etc.). Ou seja, uma época regida pela demanda (corporal) anterior ao desejo. O autor diz que a satisfação dessa demanda e manutenção do equilíbrio homeostático depende de um ambiente empático e continente ao sujeito. Havendo falha nesta função do ambiente, o ego primitivo do bebê fica a mercê de um “quantum” de energia que é incapaz de processar, levando ao traumático (por excesso) e a um “transbordamento” dessa energia para o corpo, que é então tomado como objeto de catexia da pulsão. Maldavisky (2000) nomeia essa fase de fase libidinal intrassomática, onde a libido está a serviço do equilíbrio orgânico.

Scherer et al. (2013) coloca que pacientes desvalidos são desprovidos de uma demanda psíquica e geralmente chegam a tratamento por questões clínicas, ligadas ao corpo. Postulam que a defesa característica da fixação à fase libidinal intrassomática é a desestimação do afeto, podendo estar associado também a desestimação da realidade e/ou instância paterna e a desmentida, o que caracteriza então os quadros de desvalimento. É o fracasso de um desses mecanismos de defesa que levaria a algum desequilíbrio orgânico, que gera então a busca de algum tipo de tratamento clínico.

Freud em 1894 já apresentava a ideia de uma defesa muito mais poderosa e bem-sucedida, onde o ego rejeitaria a representação incompatível, juntamente com seu afeto e se comportaria como se a representação jamais tivesse existido.

Essa busca desmedida, que não observa nem mesmo os limites da própria saúde corporal, faz questionar seu fim em si, que é a gestação e o futuro bebê. O que se observa, é que o bebê imaginário aparece muito pouco neste cenário, quase ausente no discurso, que é pontuado por ecografias,

medicações, exames laboratoriais e prazos. Isso leva ao questionamento se haveria um suporte simbólico sustentando essa busca, que não respeita nem mesmo a própria integridade corporal do sujeito, podendo levar até a morte em nome da vida.

Perpassando pelas diversas faces do desejo, nos deparamos com o desejo narcísico, com o desejo edípico e nos questionamos sobre que desejo, se é que poderíamos chamá-lo assim, sustenta esta busca por um filho a qualquer preço e a qualquer custo, colocando à própria vida em risco?

Seria possível inferir que algumas das mulheres inférteis que buscam reprodução assistida possam fazê-lo movidas não por um desejo, mas por uma demanda – necessidade (orgânica) característica da fixação intrassomática, busca esta, ligada a descarga pulsional somática, onde o corpo é o objeto da pulsão, que é levado até a exaustão? Ou a busca por tratamentos de reprodução assistida que chegam a por em risco o autoconservativo tem como motivação primordial a conservação da espécie, ou seja, isso que se encontra inscrito em cada um de nós, filogeneticamente?

Na tentativa de apreender a motivação que impulsiona a mulher na busca pela maternidade talvez nos escape ou neguemos, uma “ordem interna” que possa estar intimamente imbricada nesta busca. Nos referimos aqui a algo relacionado ao inato.O homem antes de tudo é um ser biológico.

Se pudermos pensar que em uma situação hipotética de extremo estresse e risco de vida, todos os preceitos éticos e morais do indivíduo ficam abalados, levando-o a agir de forma irracional para manter a própria sobrevivência ou de sua espécie, não temos como negar que também somos guiados por forças instintivas que não domamos.

É possível pensarmos que talvez estejamos negligenciando estas forças e mandatos filogenéticos, relacionados à maternidade e perpetuação da espécie.

Estes são questionamentos que levantamos e seguimos a pensar a partir da teoria e da clínica.

Referências Bibliográficas:

Freud, S. (1894) As Neuropsicoses de defesa.In: _______Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Ed. Std.RJ: Imago, 1974.V.I.

Freud,S. (1895) Projeto para uma Psicologia Científica. In: __________Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Ed. Std. RJ: Imago, 1974. V.I.

Maldavsky, D. Pesadillas em vigília. Buenos Aires: Amorrortu, 1994.

Maldavsky, D. Lenguaje, pulsiones, defesas. Buenos Aires: Nueva Vision, 2000.

Scherer, C. etal. Des- Afetos: pensando as patologias do Desvalimento. In: Psicanalise- Revista da Sociedade Brasileira de Psicanalise de Porto Alegre: vol.14, n.2, 2013.

Conversando sobre abuso moral

PATRÍCIA POERNER MAZERON – CRP 07/04714 – Psicóloga, especialista em psicoterapia psicanalítica de adultos, casais e famílias.

 O que é Gaslighting?

Cada dia que passa chega a nossos consultórios mais casos de abusos
psicológicos do tipo Gaslighting. O que seria isto?
Este termo tem origem em uma peça de teatro de 1938 chamada Gas Light do escritor britânico Patrick Hamilton. Em 1944 foi transformada em filme com o nome Gaslight . Conta a história de um homem que tenta convencer sua esposa a acreditar que ela está enlouquecendo. Ele cria situações que deixa a esposa em dúvida sobre suas atitudes e percepções, fazendo-a acreditar que perdeu sua sanidade mental.

Muitas pessoas sofrem este tipo de abuso e nem percebem. Em boa parte das vezes ocorre por parte de um marido/companheiro com sua esposa, ou vice versa. Mas também podemos encontrar este tipo de abuso entre pais e filhos ou relacionamentos profissionais. Aqui iremos enfocar neste tipo de abuso contra mulheres.

GASLIGHTING é um tipo de abuso psicológico, em que o abusador distorce informações com o objetivo de confundir a vítima fazendo com que a mesma duvide de sua própria memória, percepção e sanidade. Desgasta a autoestima e autoconfiança da pessoa abusada a ponto de a mesma anular-se e transformar-se em uma pessoa cheia de dúvidas e medos.

Cláudia e Leonardo tem a mesma idade, 42 anos, casados desde os 20 anos.
Procuraram atendimento de casal por solicitação e insistência de Cláudia que trouxe a queixa que o marido não participa do convívio familiar. Eles têm dois filhos adolescentes que segundo o casal costumam brigar com frequência. Contam que as brigas do casal, dos filhos entre si e dos pais com os filhos costumam ser em tons altos e bastante agressivos. Referem que não há agressão física, mas todos costumam ser “cruéis com as palavras”. Nas consultas Cláudia conta que o marido a traiu em algumas ocasiões e que tentou separar-se cerca de dois anos antes do atendimento. Disse que o marido a ameaçou diversas vezes durante o período da separação e que em duas ocasiões fez boletim de ocorrência. “Fiz duas Marias da Penha contra ele. Mas depois retirei”. Neste período o marido não pagou pensão aos filhos, deixando a mesma e seus filhos passando dificuldades financeiras a ponto de ter que fazer restrições alimentares. Após um período (seis meses) o Leonardo desculpou-se com Cláudia e prometeu mudar de atitude. Voltou para casa e continuaram as brigas. 

Cláudia depende financeiramente do marido que é autônomo e trabalha com este. Nas sessões, enquanto a mulher fala, Leonardo fica mexendo em seu aparelho celular, parecendo distraído com o assunto. Eventualmente faz alguma interferência informando que a mulher está enganada e que as coisas não aconteceram da forma que relata. Quando Cláudia diz que ajuda o marido em seu trabalho, o mesmo costuma dizer que ela não faz quase nada, que não trabalha e mais reclama do que ajuda. “Às vezes, quando preciso que ela embale uns produtos ela faz tudo errado. Aí tenho que refazer tudo. Ela não faz nada o dia todo e ainda reclama quando peço ajuda eventualmente. Sustento a casa, ela e os filhos. Gostaria que ela me dividisse comigo as despesas que temos.” (Sic).

Cláudia é dona de casa e não tem empregada nem faxineira. Dizem que moram em uma casa grande de “quase 250 metros quadrados” e que não para ninguém para trabalhar lá. Segundo o casal as funcionárias não param lá por causa das brigas e gritarias da família.
Cláudia conta que engordou 20 kg nos últimos 04 anos e o marido a critica por ter se descuidado, enquanto o mesmo apresenta visível sobrepeso. Quando Cláudia comenta que o marido também engordou ele a culpa por fazer comidas sem cuidar com as calorias.

Este tipo de abuso é sutil e por não haver agressões físicas o abusado não percebe que está sofrendo de violência psicológica. Acredita no que o agressor diz quando seus pontos de vista são menosprezados e colocados em dúvida e isso aumenta a dificuldade de tomar consciência que está sofrendo algum tipo de agressão.
É muito eficaz do ponto de vista do agressor, pois pelo fato de o parceiro abusado emocionalmente questionar seus próprios sentimentos, percepções e ideias, o que comete o abuso adquire muito poder. A pessoa costuma sentir-se tão confusa que fica difícil para a vítima pensar em fazer uma denúncia.

Como toda relação abusiva, esta também inicia de forma gradual sem que se perceba e com o tempo, os padrões abusivos tendem a aumentar, podendo levar a vítima a se afastar dos amigos e familiares tornando-se, assim, cada vez mais dependente do abusador e a tendência é ficar capturado neste relacionamento com muita dificuldade de livrar-se dele. O abusador utiliza-se de técnicas que ataquem a percepção e vivência da(o) companheira (o), fazendo-a acreditar que aquilo que percebe ou vivencia não aconteceu.

Também pode inventar novas versões para os fatos confundindo a outra pessoa, a ponto de duvidar de si mesma. As frases que o abusador utiliza vão desde a negação dos fatos, como: “ Isso não aconteceu ”, “ Você não entende o que eu digo ”, “ pare de inventar histórias ”, passando pela banalização de sentimentos (“ Como você é exagerada ”, “ Pare de chorar, pois não tens motivo para isso ”), até a inversão de fatos ( “ Você começou
essa discussão sem motivo algum” , “ Porque gostas de iniciar as brigas? ”, “ Você quem começou a gritar ”). O agressor costuma ser bastante contundente em suas afirmações, fazendo com que a vítima acabe acreditando no que ele diz ficando constantemente em dúvida sobre o que percebe. O gaslighting tem consequências desastrosas na vida da pessoa abusada e podem gerar problemas sérios como depressão, isolamento, ansiedade e confusão mental.

Quando por vezes a vítima percebe que algo não está certo nesta relação, costuma esbarrar na incompreensão das pessoas a sua volta, pois devido à sutileza da situação não fica perceptível a terceiros. Muitas vezes, quando divide o problema com amigos ou familiares, estes dizem que a vítima está exagerando e quando tenta denunciar esbarra na falta de provas. Bárbara Zorrilla, psicóloga especializada em atendimento a mulheres vítimas de violência de gênero , diz:

“ O ABUSO GASLIGHTING É UMA FORMA DE VIOLÊNCIA MUITO PERVERSA, PORQUE É CONTÍNUA E SE CONSEGUE MEDIANTE O EXERCÍCIO DE UM ASSÉDIO CONSTANTE, MAS SUTIL E INDIRETO, REPETITIVO, QUE VAI GERANDO DÚVIDAS E CONFUSÃO NA MULHER QUE O SOFRE, A PONTO DE CHEGAR A SE SENTIR CULPADA DAS CONDUTAS DE VIOLÊNCIA DO
ABUSADOR E DUVIDAR DE TUDO QUE ACONTECE À SUA VOLTA .”

Em algumas situações a pessoa abusada pode chegar a pedir desculpas ao abusador por acreditar que tenha sido a única causadora do conflito. Quando chegam aos consultórios, na maioria das vezes não percebem que estão sofrendo maus-tratos. As pessoas chegam com as queixas de estarem cansadas, anuladas e desanimadas. Com o tempo, falando de seus problemas, percebem que passam boa parte do tempo se defendendo tentando fazer valer seus pontos de vista, mas não conseguem. As discordâncias que surgem causam constantes discussões e desgastes, deixando a vítima sem forças, duvidando de seu próprio julgamento e fazendo aumentar o seu sentimento de desvalia. Esse sentimento é incrementado pelo discurso do agressor quando o mesmo faz a vítima acreditar que a única chance de ser feliz é ao seu lado.

Para superar esta situação é necessário em primeiro lugar tomar consciência de que está sofrendo maus tratos e reconhecer os sinais. De acordo com o psiquiatra Robin Stern os sinais que uma pessoa está sendo vítima de GASLIGHTING:

1- Duvida de si mesma constantemente;
2- Pergunta-se se é “ sensível demais ” várias vezes ao dia.
3- Constantemente sente-se confusa ou mesmo maluca;
4- Está sempre pedindo desculpas ao seu (sua) parceiro(a);
5- Não entende por que, com tantas coisas aparentemente boas na vida, não se sente mais feliz;
6- Frequentemente cria desculpas para justificar o comportamento do(a) parceiro(a) para seus amigos e sua família (ou até para si mesma/o);
7- Começa a esconder informações dos seus amigos e da sua família para que não tenha que explicá-las ou inventar desculpas;
8- Sabe que algo está muito errado, mas nunca consegue expressar exatamente o que, nem para si mesma;
9- Começa a mentir para evitar as distorções da realidade e ser posta(o) para baixo;
10- Tem dificuldade para tomar decisões aparentemente fáceis;
11- Sente que no passado, costumava ser uma pessoa muito diferente – mais confiante, mais divertida, mais segura e mais relaxada;
12- Se sente sem esperança e desanimada;
13- Sente que não consegue fazer nada certo;
14- Pergunta-se se é um(a) parceiro(a) suficientemente bom(a).

Nos casos de homens vítimas deste tipo de maus-tratos fica mais difícil de ser percebida a violência. Eduardo chegou contando que se sentia fraco para dar conta da sua família. Possui curso superior, empresário, casado e sua esposa sofre com uma doença crônica que a impede de trabalhar. Ele tinha que cuidar dos negócios, das responsabilidades domésticas e dos cuidados com o filho pequeno. Refere ter dificuldades em manter relacionamentos sexuais com a esposa por recusa da mesma. Na segunda consulta contou-me sorrindo que a sua mulher tinha um amante que encontrava com uma frequência semanal. Quando questionei o que achava disso, respondeu-me que ficava aliviado quando a mesma encontrava seu amante porque voltava para casa mais “ calma ”. 

Costumava justificar as queixas e atitudes da esposa. A esposa reclamava com frequência do marido e da vida que ele proporcionava. Em alguns momentos chegou a agredi-lo fisicamente até o dia que o mesmo chegou em casa e encontrou suas roupas destruídas pela esposa, que alegou ter feito isso porque o marido não atendeu suas ligações enquanto o mesmo trabalhava. Neste momento Eduardo resolveu sair de casa e aos poucos foi tomando consciência da situação que se encontrava. Precisou que a mulher cortasse suas roupas para que tomasse uma atitude, pois até aquele momento não percebia que sofria violência.

Como sair desta situação? Muitas mulheres e muitos homens quando reconhecem o sofrimento e que o mesmo está sendo causado pelo tipo de relação que se encontram e mesmo assim não conseguem ver um caminho de livrar-se dessas amarras, devem procurar ajuda de profissionais.

“RECONHECER A VIOLÊNCIA, SOB TODAS AS SUAS FORMAS, É MUITO IMPORTANTE. MELHOR, PORÉM, É RECONHECÊ-LA DESDE OS PRIMEIROS SINAIS, POIS A ESCALADA É UMA DE SUAS CARACTERÍSTICAS. COMPREENDÊ-LA É A MANEIRA DE SE LIBERTAR: COMPREENDER COMO SE ORIGINA, COMO SE INSINUA, INSIDIOSA, SOB UMA APARÊNCIA INOCENTE, MAS QUE VAI SE INSTALANDO GRADATIVAMENTE ATÉ DEFORMAR POR COMPLETO RELAÇÕES QUE SE SUPUNHAM OU SE DESEJARIAM HUMANAS. APRENDER A PERCEBER SUAS DIFERENTES FORMAS DE MANIFESTAÇÕES, SEUS MOTORES OU DETONADORES E COMPREENDER SEUS PROCESSOS E MECANISMOS É A ÚNICA MANEIRA DE SE DEFENDER.” (MARIA HELENA KÜHNER IN A VIOLÊNCIA DO CASAL – DA COAÇÃO PSICOLÓGICA À AGRESSÃO FÍSICA)

Referências

https://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso psicologico-o-gaslighting/
https://www.merriam-webster.com/dictionary/gaslight

Simpósio “A Psicanálise frente à Violência: do abuso sexual infantil ao feminícidio”

Em 26 e 27 de Outubro de 2018, a Horizontes com o apoio do IMED, realizou o Simpósio “A Psicanálise frente à Violência: do abuso sexual infantil ao feminícidio” com a participação especial do Psicanalista argentino Juan Tesone. Leia abaixo a resenha sobre o Simpósio escrita pela Psicóloga Clínica Priscila Oliveira da Cunha.

Como coordenadora da mesa que abriu os trabalhos do Simpósio, que ocorreu em Outubro de 2018,  que tratou desse tema denso, que coloca profissionais da área da saúde e da jurídica para pensar juntas, sinto-me no dever de não deixar a discussão se encerrar por aqui.

O Instituto Horizontes convidou palestrantes e público a discutir, sem pudor, a violência, o abuso, as estatísticas, a teoria psicanalítica além do consultório. E o convite foi atendido pelos participantes que pautaram as dificuldades reais em trabalhar no âmbito da proteção às crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência.

Para entender as “possibilidades de avaliação e intervenção no abuso sexual infantil”, título da primeira mesa, é necessário entender conceitos, e é preciso compreender a realidade vivenciada por crianças e adolescentes que
sobrevivem, nas palavras da Psic. Elisabeth Mazeron Machado, sem voz.

Crianças que crescem aprendendo que a violência faz parte do mundo e que não tem espaço para denúncia. O abuso sexual infantil se apresenta de diversas maneiras, através do contato físico, da produção e divulgação de
imagens pornográficas, e da imposição de uma relação que a criança não tem capacidade para compreender. Os dados estatísticos alertam para uma realidade triste, estimando que uma em cada cinco meninas são vítimas de
abuso sexual, com os meninos, um em cada vinte sofrem dessa violência, sendo um número expressivo de crianças que não tem a chance de passar por uma infância digna e saudável.

Crianças e adolescentes têm seus direitos garantidos pela Constituição Federal, pelo estatuto da Criança e do Adolescente e a integração entre justiça e tratamento é fundamental para dar conta dessa questão que é de saúde
pública. Caberá à justiça proteger vítimas e punir agressores, e cabe aos agentes de saúde, incluindo psicoterapeutas e psicanalistas lidar com as sequelas, com as dificuldades familiares, com a possibilidade de reduzir os
danos causados. Há que se pensar na qualificação de profissionais que avaliarão os danos primários e secundários e receberão a vítima fragilizada, exposta e que necessita de todo cuidado psíquico no momento de identificação
do crime, ao passar pelo processo jurídico, imprescindível para o combate da violência.

Outra questão importante, diz respeito à saúde mental daqueles que atacam a infância e a adolescência, agressores que podem ou não estar diretamente envolvidos ao uso de drogas, possíveis portadores de transtornos mentais,
entre outras causas que levam ao cometimento desses crimes. Conforme dados trazidos pela Dra. Patrícia Goldfeld os peritos forenses entendem que esses delitos são graves, muito agressivos, que há agravante de risco social e que as medidas de segurança devem ser impostas de acordo com a lei.

Assim, nas palavras da Psic. Tatiana Giron Cardon, Infância é tempo de inocência, e sendo identificada a violência contra crianças e adolescentes, cabe oferecer suporte, acolhida, escuta cuidadosa, preparar a vítima para os
exames físicos, para a profilaxia e dar os encaminhamentos iniciais para então, cuidar.

O alerta contra a negligência, contra os que nada fazem e fecham os olhos para esta triste realidade foi o que ficou desse forte debate que deu inicio a esse evento que marca a preocupação com o que acontece para além das salas de psicoterapia. Que não deixemos o debate se encerrar, que seja apenas o início de estudos, dedicação e trabalho em cima da prevenção do abuso sexual infantil.

Priscila Oliveira da Cunha
Psicóloga Clínica
Texto baseado nas apresentações das palestrantes Psic. Elizabeth Mazeron
Machado, Psic. Tatiana Giron Cardon e Psiq. Patrícia Goldfeld.